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Brasileiras falam sobre os perrengues enfrentados durante a greve em Paris

Passageiros esperam em filas por bondes em Paris. A greve é realizada por todos os sindicatos do sistema de transporte da cidade (RATP) e trabalhadores da SNFC  - Charles Platiau/Reuters
Passageiros esperam em filas por bondes em Paris. A greve é realizada por todos os sindicatos do sistema de transporte da cidade (RATP) e trabalhadores da SNFC Imagem: Charles Platiau/Reuters

RFI

02/01/2020 18h40

A greve nacional promovida por diversas categorias profissionais da França contra o projeto de reforma da Previdência do governo está prestes a completar um mês e já é o mais longo bloqueio dos transportes em 30 anos. Franceses e estrangeiros são obrigados a se acostumar com os transtornos diários para chegar ao trabalho ou fazer qualquer outro deslocamento. Em meio às adversidades, circunstâncias ainda mais atípicas fazem com que esse movimento social entre na história pessoal de brasileiros que vivem no país.

Para a operadora de caixa Danyelle Paiva, por exemplo, o que parecia um sonho de poder se casar em Paris acabou se transformando num verdadeiro estresse em meio à greve. O casamento dela com o também maranhense Herbert Levy estava marcado para o dia 13 de dezembro, no consulado do Brasil na capital francesa. Porém, na véspera da data, ela recebeu uma ligação para cancelar a cerimônia: os horários de funcionamento da representação diplomática tinham de ser reduzidos para que os funcionários conseguissem voltar para casa.

"Tudo estava marcado: coquetel para 30 convidados, sessão de fotos, até o bolo já estava pronto. Eu não tinha como cancelar a data assim, na última hora", enfatiza. Foram horas de agonia até receber um novo posicionamento: o casamento poderia ocorrer, mas seria pela manhã, e não no fim da tarde, como previsto.

As mudanças repentinas fizeram com que Danyelle e o noivo invadissem a madrugada para alterar a preparação do evento - a correria foi tanta que, no dia seguinte, não conseguiram chegar a tempo no próprio casamento. "Me avisaram que, se a gente não chegasse até o meio-dia, teria de ser adiado. Então, como o trânsito estava todo trancado, decidimos sair do carro nos últimos quilômetros e ir correndo a pé mesmo", conta a brasileira de 27 anos.

Selada a união, os imprevistos continuaram durante a tarde. A refeição prevista teve de ser improvisada porque o fornecedor do camarão para o bobó não conseguiu entregar o produto, a demora no trânsito atrasou a organização da festa, vários convidados cancelaram a presença porque estavam sem transporte. "Estava dando tudo, tudo errado! Mas no fim deu certo - de outro jeito, mas deu", suspira a recém-casada.

Depois de ter o casamento cancelado, depois antecipado, os noivos Danyelle Paiva e Herbert Levy quase não conseguiram chegar na hora  - Arquivo pessoal/ RFI - Arquivo pessoal/ RFI
Depois de ter o casamento cancelado, depois antecipado, os noivos Danyelle Paiva e Herbert Levy quase não conseguiram chegar na hora
Imagem: Arquivo pessoal/ RFI

Surpresa em protesto francês

Para a cabeleireira Ludiana Braz, 30, foi a primeira viagem da sua mãe ao exterior que acabou abalada. "Eu sempre me vangloriava da rede incrível de metrô de Paris, com tantas linhas. Mas quando ela veio, nenhuma estava funcionando", comenta a carioca, que preferiu encarar as adversidades com bom humor.

Os passeios pela cidade acabaram sendo todos a pé, sob chuva e frio. "A gente contava os deslocamentos por um aplicativo e todo o dia dava pelo menos 10 quilômetros de caminhada, às vezes 15. Acabamos descobrindo um monte de coisas legais da cidade, que não teríamos visto se o metrô estivesse funcionando. Mas foi bem cansativo", reconhece.

Ludiana Braz percorreu até 15 quilômetros a pé por dia com a mãe durante os passeios por Paris - Arquivo pessoal/ RFI - Arquivo pessoal/ RFI
Ludiana Braz percorreu até 15 quilômetros a pé por dia com a mãe durante os passeios por Paris
Imagem: Arquivo pessoal/ RFI

E para não perder uma das características mais marcantes dos franceses, Ludiana incluiu no roteiro turístico uma verdadeira manifestação na França. "A gente adorou! Muito mais organizada, civilizada, não se compara com o que vemos no Rio de Janeiro", observa.

"Vimos manifestantes apontando o dedo na cara de policiais, gritando com eles. Se fosse no Brasil, essas pessoas já estariam mortinhas", brinca a cabeleireira, que vive em Paris há sete meses.

Licença maternidade antecipada

A arquiteta paulista Glaucia Hokama, 37, também chegou a caminhar 12 quilômetros em um dos dias de greve - a diferença é que estava no fim da sua primeira gestação. "A greve veio no pior momento possível para mim, porque no terceiro trimestre de gravidez temos que fazer bem mais exames. Se deslocar do trabalho para o consultório e para casa se tornou muito difícil", relembra.

Gláucia, que planejava trabalhar até o limite da gestação e ter uma licença maternidade mais longa, foi obrigada a mudar os planos para preservar a própria saúde e a do bebê. "Para uma pessoa normal, já é puxado caminhar tanto. Para uma mulher grávida, começa a ficar complicado - ainda mais porque, nas vezes em que tentei pegar o metrô superlotado, ninguém me cedia o lugar", relata.

A fotógrafa Virginia Cenegalli tem acompanhado as dificuldades das grávidas para superar a greve. Uma de suas clientes remarcou o ensaio fotográfico com o barrigão por conta dos transtornos nos transportes. Quando finalmente chegou o dia, teve de cancelar tudo: bloqueada nos engarrafamentos, a caminho do encontro, a bolsa rompeu e ela teve de ir direto para o hospital ter o bebê.

"Ela ficou bem decepcionada porque o ensaio era um sonho dela e esse deve ser o último filho do casal", conta a fotógrafa.

A greve contra a reforma das aposentadorias na França já dura 29 dias. As próximas reuniões de negociação entre os sindicatos e o primeiro-ministro, Edouard Philippe, vão acontecer entre os dias 7 e 22 de janeiro, quando o projeto de lei deve ser enviado ao Congresso. Apesar das perturbações no cotidiano, 51% dos franceses apoiam o movimento contra a reforma da Previdência.