Incêndios na Austrália: "Fogo parou a 500 m de casa", relata brasileira
O mundo acompanha surpreso a evolução dos incêndios florestais que atingem a Austrália e já vitimaram 26 pessoas e cerca de um bilhão de animais.
Entre os que sobreviveram à tragédia ou acompanham de perto o combate ao fogo e a solidariedade do povo australiano, três brasileiras.
"Estamos prontos para evacuar a qualquer momento"
Ao lado do marido e de sua labradora, a veterinária gaúcha Camila Ganzo Aerts mora há mais de um ano em Kingscote, em Kangaroo Island, destino de ecoturismo famoso no país destruído pelos incêndios.
Segundo comunicado da agência de turismo local divulgado nesta quarta (8), aproximadamente 25% da ilha foi afetada, mas que "sendo a terceira maior ilha australiana, muitos locais estão abertos e acessíveis como sempre estiveram".
Leia seu depoimento:
"Agora, são 2h30 da manhã aqui na Austrália. Acordei com muita fumaça e, por volta da 1h20, ouvi barulhos dos vizinhos carregando o carro e organizando o barco deles na praia botá-lo na água. Parndana (que é no centro da ilha) está queimando agora e enxergamos o céu avermelhado daqui.
Notamos o aumento do fogo por volta do dia 20 de dezembro, e tem um incêndio ativo desde o dia 30. Hoje, a área central foi toda evacuada. Algumas fazendas já estavam pegando fogo e, na última sexta (3), perdemos cerca de um terço da ilha do lado oeste.
Sou a enfermeira-chefe da única clínica veterinária daqui e, em dezembro, notamos como aumenta o movimento de turistas na ilha, pois trazem seus pets e deixam com a gente. Hoje, nós já não tínhamos mais onde colocar cães e gatos das famílias que foram evacuadas das cidades mais ao oeste.
Semana passada, eu estava de plantão e recebemos cães com úlceras de córnea, patas e pelagem queimadas e tosse, além de alguns coalas, wallabies e cangurus.
A maioria da vida silvestre está indo direto para o wildlife park que fica em Parndana - e desejo que o parque sobreviva essa noite.
Nós temos duas malas prontas para evacuar (no momento elas estão dentro do nosso carro) e estamos sentados na varanda aguardando.
Infelizmente, não tem previsão para isso acabar. Chove pouquíssimo e, cada vez antes de chover, vem tempestade de raios, iniciando novos fogos.
A população da ilha está muito triste e é notável como o clima está de emergência - semana passada, duas pessoas morreram dentro de um carro por não conseguirem fugir a tempo.
O prefeito criou uma conta para doação de dinheiro para a recuperação do wildlife park e há uma campanha bem forte incentivando a vinda de turistas, além de consumo e compra de produtos locais.
Agora, são quase 3 horas da madrugada e não acho que eu vá conseguir dormir. Vamos dar umas voltas de carro e ver como está o movimento."
"Não sei como vamos nos recuperar"
Diana Costa, estrategista de marketing de Ouro Preto (MG), mora há um ano em Kangoroo Valley, uma cidade de 900 habitantes na região de Southern Highlands, em Nova Gales do Sul, a mais afetada pela atual temporada de fogos.
A apenas duas horas de Sydney e Camberra, a região é um dos destinos favoritos de locais e estrangeiros para explorar a rica natureza da região e é conhecido por seus locais muito procurados para "destination wedding" (festas de casamento atreladas a viagens).
Leia seu depoimento:
"Percebi que os incêndios seriam piores há seis semanas, quando começaram os alertas de riscos catastróficos por conta do clima muito seco e quente. Até então, como estamos há pouco tempo aqui, só ouvíamos falar desse problema.
Segundo os telejornais e a comunidade local, por não ter focos de fogo há tempo no local, havia mais combustível e era uma situação sem precedentes.
Não estávamos em casa quando as labaredas chegaram à nossa região. Nós fomos passar o feriado com os familiares do meu esposo, no norte do estado. De lá, soubemos, em uma reunião da comunidade transmitida via Facebook, da real situação e decidimos não voltar na data prevista, dia 2 (quinta).
No sábado passado (4), surgiu o momento mais tenebroso para todo mundo. De Sydney (onde fomos buscar meus pais que vieram do Brasil para me visitar), acompanhamos o mapa do fogo, vendo de hora em hora ele chegando mais perto da nossa casa e do pessoal da comunidade.
Era perto da meia -noite quando vimos que a velocidade tinha reduzido e a movimentação estava indo para o norte, ao invés do leste.
'Pelo mapa, o fogo parou a 500 metros de casa. Foi muito assustador.'
Fomos dormir pensando que acordaríamos com a notícia da nossa casa destruída. Por sorte, não sentimos nossa vida em risco e o mais intenso foi realmente a incerteza de não saber se nossos vizinhos e amigos estavam bem e vivos. Nenhum de nós havia passado por tal situação. Nem mesmo meu esposo, que é australiano.
A situação hoje é estável, mas não segura. Ontem, a nossa brigada de incêndio veio aqui em casa para instruir a gente: não é uma situação de evacuação de novo. Ainda - o que pode mudar, literalmente, em minutos.
A preocupação agora é que, como parte da cidade foi poupada e muitas áreas rurais não afetadas, ainda tem muito combustível para queimar e a probabilidade de outros incêndios e evacuação é alta. No momento vejo fumaça daqui de casa e o céu escuro.
Estamos começando os esforços para ajudar a reconstruir e ajudar as pessoas que foram afetadas e que ficaram desabrigadas, perderam suas casas. Aqui no vale ninguém se machucou.
Essa foi uma sorte que tivemos ao contrário de outras cidades, o preparo dos bombeiros da nossa região, como tiveram cuidado em orientar a população, além dos próprios habitantes, que tiveram a consciência de se autoevacuar, de não priorizar a propriedade em detrimento da própria segurança.
O que mais me impressionou foi a capacidade de solidariedade. Em nossa comunidade, as pessoas se mobilizaram e, em menos de 48 horas, reuniram mais de 30 mil dólares para os desabrigados para água, comida, para os bombeiros voluntários - todos pessoas da comunidade, que, em seu tempo livre, se capacitam para esse trabalho.
As pessoas aqui têm aquela perspectiva de o que foi perdido pode ser recuperado e estou muito otimista com relação a todo suporte que eu vi.
No momento, o que parte meu coração é ver a natureza maravilhosa desse lugar ser reduzida a cinzas. Ontem, caminhando da vila para casa, vimos dezenas de morcegos gigantes mortos no chão. Há também um santuário de wombats e a perda dos animais foi inestimável.
Pior ainda parece estar por vir
Moradora de Adelaide (Austrália Meridional) há um ano, a jornalista paulistana Evelyn Cusnier sente os efeitos principalmente da destruição em Kangaroo Island.
Além disso, a brasileira acompanha de perto a destruição de pelo menos 100 casas em Adelaide Hills, região vinícola onde morava até outubro.
Leia seu depoimento:
"Aqui a gente sente a fumaça, vê a fuligem. Já em setembro, deu para ver que seria diferente. Em Sydney, as pessoas reclamavam da dificuldade de respirar por conta da fumaça de incêndios em lugares mais afastados da cidade.
Este ano foi atípico, porque não tivemos quase nada de chuva na primavera e as temperaturas chegam aos 48 graus. É o gatilho para o fogo, que começa espontaneamente algumas vezes e se espalha rápido por conta dos ventos fortes.
Há cerca de um mês, o estado onde eu moro foi isolado pelo fogo e a Kangaroo Island - a duas horas da minha casa - já foi queimada pela metade. É o ponto turístico mais bonito daqui e agora está devastado.
'Meus amigos australianos estão chocados e com medo'
Aqueles que vivem mais afastados, onde eu morava, dizem que, a qualquer momento, podem ter de largar tudo e, por isso, ficam preparados.
Por outro lado, ainda que diante da tragédia, vejo que eles nunca desanimam em ajudar. Ontem, meu esposo foi trabalhar em um lugar atingido pelo fogo e ele, como toda a população, parou para ajudar os bombeiros. Ao verem o fogo, tiraram os tapetes do carro e começaram a bater nas chamas que se espalharam ao lado da via.
Ano passado, por exemplo, todos mercados pararam um dia da semana para fazer voluntariado e reverter as vendas para os fazendeiros atingidos pelos incêndios.
Hoje, a gente não sai de casa. Ficamos com portas e janelas fechadas e o ar-condicionado ligado.
Não estou muito otimista, pois o ápice do calor aqui na Austrália ainda nem chegou. Entre o fim de janeiro e a primeira semana de fevereiro as altas temperaturas costumam ser piores."
VEJA AS RECOMENDAÇÕES DO ITAMARATY PARA RESIDENTES E TURISTAS BRASILEIROS NA AUSTRÁLIA
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