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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A tecnologia afasta pessoas idosas das suas músicas preferidas?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

11/07/2022 04h00

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Na mesa pequena, de quatro lugares, e coberta por um pequeno pano, minha avó costumava ouvir suas músicas preferidas. O rádio era da cor preta, tinha uns quatro ou cinco botões nos quais se ajustava o volume, a localização mais refinada de uma emissora de rádio, outro botão para escolher entre a AM (amplitude modulada) ou FM (frequência modulada), e um outro que ajustava melhor alguma outra coisa.

Mas o som sempre estava ali. A música sempre a acompanhava e, independentemente do gênero musical, minha avó não ficava sozinha, estava ora cantando, ora ouvindo. Meu avô, que trabalhava como jardineiro, também tinha seu rádio portátil. Como era um homem alto e grande, o rádio, já pequeno, parecia ser um brinquedo nas suas mãos.

Falar de música é como acionar um botão da nossa memória e da nossa alma para acessar um lugar prazeroso. Dificilmente pensamos, em um primeiro momento, em algo ruim quando é esse o assunto.

Diante desses sons tão agradáveis aos nossos ouvidos, conseguimos compreender que a música ameniza aquele momento da solidão ou pode nos colocar em um maior contato com o nosso próprio eu, dá mais concentração ou descontração, pode ser mais ritualística ou ser pura diversão.

A música traz consigo um navio transatlântico de emoções, quase sem separação entre elas. Quem já não sorriu enquanto ouvia uma música que trazia a lembrança de uma pessoa muito querida, fosse a filha ou aquela pessoa interessante vista na rua e que, emocionalmente, mexeu com um sentimento seu.

Estudos vêm comprovando os benefícios da música para o enfrentamento de doenças como a depressão, tão frequente em pessoas que envelhecem e que, seja pela sociedade ou pelas durezas do cotidiano, vão se esquecendo que suas vidas têm uma trilha sonora que não deveria ser interrompida de tão maravilhosa que é.

Para pessoas com perda de memória também se usa a música como intervenção eficiente para o resgaste de memórias. Quer ver como funciona?

Lembre-se do encontro com aquela pessoa que, maravilhosamente, passou a fazer parte da sua vida?

A música que seus filhos ou netas ouviam centenas de vezes em um único dia?

Aquela música que te acompanhou, centenas de vezes, no caminho para o trabalho?

A banda mais tocada no seu tempo de adolescência?

Veja que são alguns exemplos de que, assim como nossos ancestrais, as músicas não nos deixam sozinhos.

Conciliar a musicalidade com lembranças de nossos e nossas mais velhas fica ainda melhor! Acho incrível ouvir música ao lado deles! Quem fez ou faz isso sabe do sentimento que estou falando! Perceber que a mãe, a avó ou o bisavô batucam na mesa, pegam o instrumento, cantam ou dançam é algo para se guardar na alma e nos energizar de boas vibrações, já que ali há muita potência no encontro de pessoas com uma finalidade não baseada na classe social, tipo de trabalho ou algo semelhante. Até brigas familiares são deixadas de lado quando esse encontro se dá.

Na minha adolescência, já tinha à minha disposição rádios de uso doméstico com mais potência sonora, o famoso aparelho três em um: rádio, toca-fitas e toca-discos, sendo que o comando "reverse" permitia que as fitas cassetes tocassem o lado A e o lado B sem parar e, com duas fitas em um mesmo aparelho, eram garantidas quase duas horas de som sem precisar mexer no aparelho. Uma revolução naquela época!

Hoje, quem tem um smartphone em mãos e um determinado aplicativo que reproduz músicas, tem um arsenal de músicas nunca imaginado para uma única pessoa!

É possível afirmar que jamais se conseguirá ouvir todas as músicas criadas no mundo para os gêneros musicais de preferência, seja porque há milhares de músicas e novos artistas e bandas, seja pelas novas mixagens e interpretações de músicas antigas e, mais que isso, porque a gente sempre se apega a músicas que nos tocam e, por isso, não cansamos de ouvi-las, naquela versão antiga ainda.

Acredito que nossos pais e avós cantavam mais e ouviam mais música. Se considerarmos que boa parte da população idosa atual tem baixa escolaridade e, por esse motivo, uma certa dificuldade para manejar esses novos aplicativos e, seja também pelo acesso material a um bom aparelho, pois esses não são tão baratos como já foram em um passado não tão remoto, será que não podemos considerar que pessoas idosas estão ouvindo menos suas músicas preferidas?

Como as grandes rádios e artistas jovens atualmente famosos restringem o resgaste ou a presença de músicas mais antigas e também a presença de cantores e cantoras mais velhas no cenário musical atual? Com a entrada de novos artistas e bandas, como fica a memória musical do país? Percebe-se que hoje há dois ou três gêneros musicais que predominam nas rádios e nos programas da TV. Então, como garantir a sobrevivência de outros gêneros musicais?

Recentemente, o cantor e compositor Zeca Pagodinho, de 63 anos, no programa Mano a Mano afirmou a redução das oportunidades para a participação em programas de rádio para artistas como ele que tocam um gênero musical que não está nos interesses comerciais das grandes marcas ou na preferência de adolescentes e jovens.

Não sei se haveria relação com a idade de cantoras e cantores ou com um gênero musical que nem sempre está no topo das músicas mais ouvidas nas redes sociais, essas ainda muito ocupadas por pessoas jovens.

Essas constatações reforçam a necessidade de vivenciarmos mais a nossa cultura tão plural e rica. Para tudo isso, é importante a inclusão de mais pessoas idosas no mundo digital, com a formação adequada, ofertada por programas públicos, iniciativa privada ou alguma instituição que tenha a inclusão digital como missão.

Também é urgente apresentar para outras gerações os diversos gêneros musicais que compõem o nosso repertório musical nacional. Estou falando de educação intergeracional, estou falando de cultura como elemento/alimento tão necessário para todas e todos nós.

Um dia, quem sabe, poderemos ser uma sociedade que canta, que encanta e que espanta males a partir dessa manifestação cultural tão democrática.