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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Violência e medo: mulheres negras minimizam chance de serem avós

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

15/08/2022 04h00

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A queda da taxa de natalidade já é um fato demográfico importante que contribui para a mudança do crescimento populacional brasileiro. Em poucas décadas, o Brasil deixou de ter muitos nascimentos e agora tem reduções significativas da quantidade de crianças e adolescentes na composição da sua população.

É assim que a sociedade brasileira também envelhece. Se menos pessoas nascem, a distribuição entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas muda. E, se ao mesmo tempo, constata-se o aumento das tecnologias em saúde que prolongam o tempo de vida das pessoas, aí temos o fenômeno do envelhecimento populacional.

Isso quer dizer que muita gente está vivendo mais. E isso seria bom, certo?

Talvez não.

Quando se consideram as pessoas negras, principalmente aquelas pessoas que podem gerar filhos, a vontade de não os ter tem aumentado, e não é por uma questão econômica, como valor de uma boa escola, bom plano de saúde, curso de inglês, natação, viagens, boa comida e compras de presentes nas datas comemorativas.

Há o medo do racismo, conforme mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.

E talvez só quem é do gênero feminino saiba explicar a intensidade, o tamanho ou a gravidade desse medo que começa desde a gravidez. É a sensação da previsibilidade da dor, seja pela violência sofrida injustamente ou pela discriminação sofrida na escola ou no trabalho. É ver filhos e filhas preteridas nos relacionamentos, ou ver a outra família rejeitar uma relação conjugal porque ambas não são hétero ou cis.

Mulheres também assumem o controle de seus corpos a cada ano que passa, refletindo o seu empoderamento.

Seria então o não desejo em ser mãe o foco nos estudos e no crescimento profissional, como o já ocorrido com as mulheres chinesas? Ou seria o medo, pavor e intolerância com tanta violência que começa já na mesa da maternidade, antes mesmo do nascimento de um filho ou uma filha?

Muitas das atuais mulheres, quando adolescentes, tiveram que cuidar de seus irmãos e irmãs mais novos e agora não querem mais serem mães de alguém. Deixaram de brincar e isso foi muito doloroso e injusto, infringindo os direitos que crianças e adolescentes têm garantidos nesse país.

E essa recusa em ser mãe minimiza as possibilidades de ser avó. Talvez, essas pessoas que não querem ser mães biológicas ou por adoção, ainda demorem para encontrar um filho ou uma filha para que possam abrir o seu coração e compartilhar o que gostariam: amor, proteção, parceria e lealdade.

A culpa dessa recusa em ser mãe é de muita gente. Vem do Estado que não garante segurança, vem das instituições que insistem na má remuneração das mulheres, principalmente as pretas, pela demissão a partir da mínima possibilidade ou cheiro de gravidez, e pela obrigação moral de ajudar pais e irmãos para que não vivam só experimentando o amargor da pobreza e da humilhação. Algumas dessas constatações também fazem parte da reportagem da Folha.

E os motivos desse medo apresentam números assustadores! O Brasil, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2022, é responsável por 20,5% dos homicídios registrados no mundo em 2020. Além disso, 91% das mortes violentas ocorrem com pessoas gênero masculino e, dessas, 78% são de negros e 51% são de pessoas jovens.

Mulheres negam a maternidade porque o mundo parece não querer acolher qualquer tipo de criança! Para a especialista Marizete Gouveia, não ter filho pode ser um mecanismo de proteção à saúde mental que muitas mulheres negras adotam. E veja que o risco de um filho ou neto jovem negro morrer é 3,7 vezes maior quando comparado a um não negro.

Ainda que mulheres não queiram ser mães, muitas são tias ou primas de outros jovens e adultos negros e essas convivem com esse medo constante quanto a segurança não garantida e a destruição de perspectivas e sonhos profissionais e pessoais desses seus familiares.

Estariam então algumas mulheres pulando a etapa de serem mães para, futuramente, assumirem seus papéis de avós --mesmo sendo tias ou primas? Ou será que nem esse desejo existe mais? Não querer também ser avó seria uma forma de autocuidado, considerando as diversas histórias que viu, ouviu ou participou e que gerou sofrimento e um certo adoecimento mental e físico?

Essas avós em potencial merecem muito respeito, proteção e oportunidades enquanto ainda não exercem ou não veem a possibilidade da maternagem, que é o vínculo afetivo do cuidado e acolhimento ao filho por uma mãe.

Não querer ser mãe, mas talvez avó, é depositar essa possibilidade para a vontade de outras pessoas em serem netas e netos. Com isso, podemos perder grandes avós, já que avós são jovens ou adultas que envelheceram com a vontade de estar juntas de filhos, filhas, netos e netas!

Há um conto da mitologia africana que diz que Oxum, a orixá da beleza e da fertilidade, negou sua fertilidade porque não foi tratada com respeito e igualdade diante dos outros orixás do gênero masculino. Como resultado, o mundo foi parando e nenhum ser humano ou orixá foram capazes de procriar.

Os orixás masculinos ficaram assustados e com muito medo, já que havia o risco de serem esquecidos porque as próximas gerações não existiriam mais. Dessa forma, após diversas tentativas para encontrar uma solução, concluíram que a única forma de evitar o fim seria se desculparem com Oxum e reconhecer o seu protagonismo.

Talvez a sociedade brasileira precise também se retratar com as mulheres negras e assumir o compromisso de não mais violentar ou matar seus filhos!