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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A desculpa de pessoas idosas que não deveria ser aceita

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

29/08/2022 04h00

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"Desculpa, desculpa!". É assim que muitas pessoas idosas vêm se colocando no mundo: vivendo de pedir desculpas. Ora é por desejar um lugar para o qual não se sente convidado ou convidada para ocupar, ainda que tenha méritos e direito de estar ali, ora é pela vigilância constante de uma sociedade que não insere pessoas grisalhas nos assuntos pertinentes à humanidade, ora é porque essa "sensação de inferioridade" já habita dentro de algumas pessoas.

Tudo isso é muito ruim e faz muito mal para quem é tratado como velho ou velha no espaço público ou privado que frequentam cotidianamente.

Isso pode acontecer em uma conversa de família, quando o assunto que é discutido, em um primeiro momento, não é aquele no qual pessoas mais velhas poderiam opinar. E, mesmo que essa pessoa mais velha seja capaz de dizer algo que contribua para a conversa, a mesma se coloca de uma maneira que tira sua força, potência e conhecimento: "Desculpa falar, mas eu acho que não seria por aí."

E aí familiares e amigos percebem o quanto aquela pessoa mais velha pode ainda ser interessante, importante e, nesse sentido, com um acúmulo de experiência e saberes que uma pessoa mais jovem, mesmo que tivesse lido centenas de livros sobre o assunto, não faria as conexões e exemplificações de situações que o mais velho é capaz de fazer.

Mesmo assim, continuam não ofertando esse lugar de fala, de posicionamento e de presença dessas pessoas mais velhas no mundo, na família, na reunião do condomínio ou na mesa do almoço do local onde trabalha.

Esse "desculpa, mas..." serve para quem é mais grisalho e compreende bem o manejo dos novos aplicativos dos celulares, deixando netas e netos "aflitos e espantados" com aquela habilidade nunca antes pensada de uma mãe mais velha ou de uma avó. Serve também para pessoas mais velhas que se viram para fazer os pagamentos nas milhares de máquinas que substituíram os caixas de supermercado, dos shoppings e de outros espaços comerciais, tirando os motivos de xingamentos comumente proferidos pelas pessoas que estão na fila, atrás delas.

Mas por que será que pessoas que envelhecem, por vezes, são invadidas por esse sentimento de "não lugar" que exige esse pedido de desculpas, como se fosse uma solicitação para continuar a existir, por meio de suas falas e de seus corpos?

O idadismo, que é discriminação por ser muito jovem ou muito velho, pode ser uma explicação para esse fenômeno que modula comportamentos das pessoas discriminadas e daquelas que discriminam, pois essas foram e serão discriminadas também, isto é, porque já foram jovens e porque serão pessoas velhas.

Esse pedido de desculpa, que funciona com um cartão de acesso e que não é lido por qualquer mente conservadora e, de certa forma, retrógrada, não consegue recodificar as crenças baseadas na idade avançada de uma pessoa, para confirmar essa não necessidade de manter o poder de regulação sobre corpos e falas de pessoas mais velhas.

Muitas coisas mudaram nas últimas décadas. O fenômeno da longevidade transformou as relações entre as pessoas e dessas com o mundo. Ter 40 anos já foi uma idade muito avançada para se ter filhos, os 60 anos já foi uma idade para não mais se pensar em voltar para os estudos ou para ficar procurando uma nova profissão. Pessoas com 80 anos ou mais hoje têm ampliadas suas chances para se tornarem centenárias.

E saindo desse critério etário fundamentado no tempo cronológico, pessoas mais velhas demonstram muita vitalidade e vontade de estar nos espaços, ampliando sua visibilidade e gozando a vida da melhor forma, ao mesmo tempo em que se percebe uma população jovem perdida, por vezes desiludida com as demandas desonestas e desumanizadas desse sistema capitalista que quer a produção e o consumo, custe a vida de quem for.

Assim, "essa desculpa" das pessoas mais velhas deveria ser também um alerta para as pessoas mais jovens que, em um piscar de olhos, já estarão grisalhas e com maiores expectativas de vida se comparadas aos seus pais e avós.

É urgente que o enfrentamento ao idadismo fure as bolhas das diversas faixas etárias ou segmentos ocupacionais. Não apenas as pessoas idosas ou profissionais que atuam na gerontologia precisam tratar desse assunto. Todas as pessoas, das mais diversas faixas etárias, desde aquele que criança precisa já desaprender o estereótipo negativo sobre pessoas velhas, até o jovem da rede social mais "badalada" no momento, como também todos os profissionais que atuam em todos os setores, já que pessoas velhas poderão ser elas mesmas ou seus clientes ou acompanhantes de seus clientes.

O idadismo, percebido e mantido culturalmente, tem também sua construção a partir de exposição, que coloca à prova a autoestima da pessoa idosa, o risco de uma rejeição imposta erroneamente e que adoece, e a vergonha, que se dá pelos olhares das pessoas que discriminam essa pessoa mais velha. E as pessoas grisalhas já estão em todas as partes! Algumas disfarçadas com uma tintura no cabelo, outras com um cabelo roxo ou azulado. E tudo bem assim, tudo maravilhoso.

O que precisamos aprender é a enaltecer e reconhecer a presença dessas pessoas, com seus corpos e falas, nas nossas vidas! Isso é a identificação e o enraizamento das nossas origens, de quem nós somos, genética e culturalmente falando.

Pelo fim do pedido de "desculpas" sem necessidade, e que deveriam ser proferidas por quem tentou invisibilizar essa pessoa mais velha! A construção dessa identidade mais velha ainda precisa ser mais discutida, por toda a sociedade, em tempos atuais. É urgente.