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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E se Roberto Jefferson e Elisabeth não estivessem em lugar de privilégio?

"Imagine então um senhor idoso de pele bem escura, descumprindo medidas cautelares, que ao receber duas ou mais viaturas em sua casa atirasse contra elas e, não sendo suficiente, ainda jogasse duas granadas?" - Mateus Bonomi/Folhapress
"Imagine então um senhor idoso de pele bem escura, descumprindo medidas cautelares, que ao receber duas ou mais viaturas em sua casa atirasse contra elas e, não sendo suficiente, ainda jogasse duas granadas?" Imagem: Mateus Bonomi/Folhapress

Colunista de VivaBem

31/10/2022 04h00

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Pessoas preocupadas em não cometer atos injustos, que fazem mal tanto às pessoas que os recebem quanto para aquelas que os cometem, usualmente se utilizam do exercício da empatia. Para quem nunca ouviu falar sobre esse termo, empatia diz respeito a um sentimento que temos em relação a uma outra pessoa da qual não se quer fazer ou desejar algum mal ou prejuízo.

Pode ser definida com uma experiência na qual uma pessoa se identifica com a outra. Também pode ser a capacidade de compreensão emocional e estética, segundo os dicionários.

Em termos práticos, quando se quer perceber ou constatar que algo poderá fazer mal a alguém e se, definitivamente, essa não é a sua intenção, costuma-se recomendar o "exercício" de se imaginar no lugar da outra pessoa, para se ter uma noção real do impacto positivo ou não dessa atitude ou ação.

Independentemente de quem venceu ou não as eleições, ou se o seu vizinho torce também para o seu time favorito, ou se o seu filho ou filha seguirá seus conselhos, o mais importante para um mundo melhor seria que todas as pessoas tivessem como hábito a realização desse "exercício" de empatia.

Mas os fatos mais recentes e que envolvem pessoas mais velhas têm mostrado que não é sempre que isso ocorre, contrariando aquela imagem de que todas as pessoas idosas são sábias e "boazinhas".

Um desses ocorridos envolveu a mulher aposentada Elisabeth Morrone, 69, que verbalizou todo o seu ódio contra um vizinho negro, do mesmo conjunto habitacional onde reside. A pessoa agredida é o ator Eddy Junior, de 27 anos, que foi diversas vezes agredido verbalmente e ameaçado fisicamente, tanto por essa idosa quanto pelo seu filho, com garrafa e faca em mãos, respectivamente.

Felizmente muitas pessoas fizeram o exercício de empatia e, como consequência, realizaram em frente a esse condomínio um protesto em defesa de Eddy, que é músico e ator, ou seja, uma pessoa que, segundo as normas de uma sociedade que acredita que tudo se resolve quando não se é pobre e analfabeto, jamais passaria por essa situação se não fosse negro.

Imagino aqui se pessoas que ameaçassem um jovem branco de 27 anos, músico e ator, na porta do seu apartamento, lá pelas tantas da madrugada, fossem uma senhora idosa negra com uma garrafa na mão e um jovem negro sem camisa e com uma faca nas suas mãos, qual seria a reação da sociedade? Talvez haveria até um teletransporte de policiais extremamente armados contra essa dupla de mãe e filho violentos!

Uma outra cena, daquelas que não se imagina ocorrer no Brasil, também foi registrada nessa última semana. Um ex-político, chamado Roberto Jefferson, amigo de tantos outros, atirou em dois policiais, um homem e uma mulher, e ainda jogou uma granada em direção a uma das viaturas.

O motivo da abordagem da Polícia Federal? Esse senhor de 69 anos estava infringindo diversas normas preestabelecidas para sua prisão domiciliar e, por esse motivo, recebeu uma ordem de prisão. Mesmo com toda essa agressão contra dois de seus colegas, em um momento da abordagem policial com esse idoso atirador, um dos policiais chegou a dizer: "O que o senhor precisar a gente vai fazer."

E, como a falta de empatia desse idoso em relação aos policiais que estavam trabalhando não fosse suficiente, Roberto Jefferson também agrediu de forma extremamente grosseira uma idosa de 68 anos, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia.

Imagine então um senhor idoso de pele bem escura, descumprindo medidas cautelares, que ao receber duas ou mais viaturas em sua casa atirasse contra elas e, não sendo suficiente, ainda jogasse duas granadas? A abordagem do policial seria igual, isto é: "O que o senhor precisar a gente vai fazer."? Obviamente não. Possivelmente esse senhor já poderia estar morto, pois desacatou a ordem de um policial.

Por muito menos, um outro senhor, no interior de São Paulo, precisou tirar sua roupa para provar a sua inocência. Roberto Jefferson desafiou o sistema porque sabe que usufrui do privilégio que o descredencia de pensar em qualquer gesto de empatia.

O ex-político tem o privilégio de não ser pobre, não morar na periferia, de não transitar nas vias perigosas dos grandes centros dirigindo seu próprio carro. Privilégios que não faltam para esse idoso que, segundo um de seus amigos de longa data, deve ser considerado como um "bandido".

Será que Elisabeth e Roberto Jefferson sofrem de lapsos para a prática da empatia ou refletem uma condição que busca, frequentemente e sistematicamente, favorecer e "respeitar" pessoas que ocuparam historicamente os melhores lugares de tomada de decisão ou um determinado e privilegiado status socioeconômico?

Prevaleceu aqui o respeito às pessoas mais velhas, mais ricas, ou alguma outra condição injusta que existe aqui no Brasil e que boa parte da sociedade ainda insiste em admitir que só em outros países ocorre, como nos Estados Unidos?

Empatia não é algo que se aprende apenas com o passar dos anos ou com a experiência dos anos vividos. É muito lamentável e, de certa forma assustador, o comportamento de muitas pessoas mais velhas que agem sem qualquer respeito ao lugar do outro, seja por estar na sua própria moradia ou pelo desrespeito a atividade ocupacional de outras pessoas.

E pensar que muita gente acreditou que a pandemia faria o nosso mundo ser melhor, com mais empatia entre as pessoas!

Em nosso país uma sociedade mais justa está distante de acontecer e ainda fica no lugar de um sonho que milhões de pessoas desejam que um dia se realize.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL