Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Racismo e envelhecimento: dá sim para mudar e depende de você também
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"Desculpa, desculpa, desculpa!"
Foi assim o meu primeiro contato com uma das pessoas que muito me ensinou e apontou que falar sobre o envelhecimento da população negra era necessário. Trago aqui um trecho da conversa que tive com o senhor Arnaldo Marcolino, pessoa muito importante e respeitada do movimento negro do Brasil e que muito militava em prol de um SUS (Sistema Único de Saúde) bom para todas as pessoas, sem qualquer distinção de cor de pele ou de etnia.
Dizia ele que costumava pedir desculpas sem ao mesmo ter se apresentado adequadamente, sem ao menos ter se posicionado. Fazia isso para evitar qualquer situação desagradável, mal-entendido ou ofensa a quem o ouvisse.
E foi assim que ele se foi. Partiu para outro mundo onde espero que tenha sido recebido com toda a alegria e reconhecimento de quem queria que pessoas negras fossem mais bem atendidas e compreendidas nos mais diversos espaços!
Em vida, teve todo o reconhecimento de grandes pesquisadores, intelectuais e militantes que atuam para o melhor viver de pessoas negras no Brasil.
Sr. Arnaldo Marcolino, presente sempre!
Recentemente outro fato importante chamou a atenção de quem se preocupa com a situação de vida de pessoas negras que envelhecem. Um artigo publicado em novembro deste ano, na revista Alzheimer's & Dementia, escrito pela professora Cláudia Suemoto, pelo professor Ricardo Nitrini e outros colaboradores, apontou que quase 50% dos fatores associados ao risco de ter demência no Brasil são modificáveis.
Eles identificaram que há fatores que dependem da cor da pele ou da região onde residem essas pessoas. Baixa escolaridade, hipertensão arterial, perda auditiva, obesidade e depressão foram alguns desses fatores que podem prejudicar a memória das pessoas negras.
Isto quer dizer que muita gente que terá quadros demenciais poderia não tê-los se algumas condições de vida fossem mais justas desde o começo de sua existência.
Na semana na qual se comemora o Dia da Consciência Negra, a pergunta é: o Brasil quer mesmo ter essa memória? Uma memória que honrará pessoas negras que envelheceram e morreram sempre lutando pelo bem maior, pelo bem coletivo?
Realizará homenagens e muitos pedidos de desculpas às pessoas negras que deixaram de ser grandes investidoras, empreendedoras, vencedoras de lutas individuais para serem guerreiras de uma luta onde não se ganha ou se perde sozinha?
O quanto o Brasil já sabe de tantas coisas que fazem mal a quem é preto, pardo, pobre e velho e, mesmo assim, age como se não houvesse consciência de fatos e de dados?
E por que grande parte das pessoas que também pesquisam e empreendem na área do envelhecimento deixam pesquisadores e pessoas negras de fora das grandes pautas, dos grandes eventos e das grandes oportunidades para o crescimento econômico do país, de outros grupos sociais e até individual de algumas pessoas?
Há muita vontade de falar e de se fazer em prol da diversidade, mas quantas pessoas que poderiam fazê-las não agem de forma propositiva e inclusiva, com respeito e valorização? Quantas pessoas se eximem, a partir do seu silêncio, do seu braço cruzado que, quando muito, movimenta-se para que um dos dedos clique para "apoiar" uma voz contra o racismo e contra o etarismo?
É lamentável que grandes debates deixem de existir porque falar, "tratar" ou pensar o envelhecimento de pessoas negras não é abordar um grupo economicamente bem favorecido, rico, cheio de posses e de empregados e empregadas. É umas poucas vezes na qual se pode dar o protagonismo que nunca tiveram em suas vidas!
Falar de pessoas idosas negras é quase que um "favor", pensam muitas dessas pessoas. Esquecem que para falar desse grupo social e defendê-lo, é colocar a cara, a mão e muito conhecimento para reverenciar, dar dignidade e oportunidade a quem muito fez para que este país fosse a potência que é hoje.
Independentemente do partido político ou período histórico já vivido nesse país, ainda são poucos os momentos nos quais pessoas negras que envelhecem ou que já são idosas estiveram nos lugares e nas condições de vida que mereciam!
Há muita "gente fina e sincera" que mora na favela, que não tem ainda sua casa própria, que sabe muito mais que doutoras e doutores em filosofia ou em medicina!
Mas são pessoas negras, com cabelos grisalhos e com riscos maiores de serem mortas, seja por uma queda, por uma bala que acerta seu neto, por um parto que mata a neta e a bisneta simultaneamente, por um profissional de saúde que as atende mal e sem empatia, ou por um Estado que as invisibiliza e causa a morte social, que é uma das piores formas para se continuar vivo ou viva nesse país.
O Dia da Consciência Negra é para lembrar a sociedade de que será cada vez mais difícil silenciar as pessoas que estão querendo falar, escrever, pensar e reivindicar o direito ao envelhecimento ativo das pessoas negras, que significa aprendizagem ao longo da vida, saúde, segurança física e previdenciária, participação social, trabalho e saúde. Tudo isso que outros grupos com expectativas de vida para 80 anos ou mais já possuem.
E, muito ao contrário do que muitas pessoas acreditam, não são os problemas genéticos que matam mais as pessoas negras. É a negação histórica dos fatos que apontam para iniquidades nas suas vidas, são as leis que ainda as desfavorecem, deixando-as mais empobrecidas, ano após ano. São suas gerações mais recentes sofrendo tanto ou até mais que elas (e isso não estava nos seus planos).
É ainda morar no mesmo bairro que só cresceu em tamanho e nunca em mais oportunidades para o trabalho, educação e lazer para toda uma família, que significa três, quatro ou até cinco gerações sofrendo das mesmas precariedades que se vivia em 1900, um pouco depois de um tal de fim do período escravagista nesse país que se diz diverso e plural, mas que ainda é muito desigual e insiste em querer ser singular.
Ainda não dá para fazer um texto repleto de boas conquistas. Ainda há muita gente nova e velha que não se vê como parte do problema e da solução para a mitigação do racismo e do etarismo na vida de pessoas negras.
Nossos anciãos e anciãs nos ensinaram a viver, jamais a morrer precocemente. Foi com essas pessoas mais velhas que também aprendemos a escutar e a fazer juntos, criando, reinventando novas formas de viver, de aprender e de enriquecer, porque riqueza também faz o mundo girar para o bem de toda a sociedade.
Que no próximo ano eu possa trazer boas novas! Novas parcerias, novos projetos, novas escritas que registrem as boas experiências e melhor bem-estar das pessoas idosas negras!
Ser antirracista e anti-idadista é ler esse texto na íntegra, refletir e pensar em como fazer parte da solução. Que o novembro próximo seja para celebrar os resultados de bons projetos e boas ações, individuais, coletivas e institucionais que ocorrerão ao longo de todo o ano!
Só assim mudaremos o rumo da história do país com mais pessoas negras fora do continente africano! Sim, o Brasil é um país de pessoas negras, de tons de pele mais claros ou mais escuros e que representam, até o dia de hoje, mais da metade dos 215 milhões habitantes deste país!
E precisamos aceitar isso da melhor forma possível. E já aprendemos que com violência e desinteresse não se melhora coisa alguma.
Ah, e que a sociedade seja evoluída o suficiente para pedir "desculpa, desculpa, desculpa" ao senhor Arnaldo e a tantas outras que dedicaram parte de suas vidas para que o Brasil seja hoje um país cada vez melhor para se viver!
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