Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por mais idosas com cropped! As roupas utilizadas pelas pessoas mais velhas
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A lingerie dela é pequena e realça as coxas e o bronzeamento adquirido nos últimos 20 dias. Nos últimos cinco anos, ela mudou a forma de estar no mundo e deixa à mostra uma parte do corpo que sempre gostou. Não é a primeira vez que vem para essa loja. Para completar o conjunto, escolhe um sutiã repleto de pequenas flores brancas.
É então que surge um comentário:
- Ficou muito bom em você! Acho que deveria levá-la!
- Então serão os dois conjuntos: o amarelo e esse branco!
A calça apertada, destacando todas as formas exuberantes daquele corpo grande, nunca foi um problema e não seria agora! Gosta das peças de cintura alta, que combina com qualquer camiseta simples! Uma jaqueta curtinha e um boné deixam o visual bem descolado e a deixa pronta para frequentar uma balada e dançar até o dia amanhecer!
- O decote dessa blusa é do jeito que minha avó gosta: grande e ousado! Ela diz que perco tempo em ficar" escondendo" minha beleza, minha "exuberância" (risos). Nem parece que minha avó é 40 anos mais velha que eu.
A perna bem treinada não deixa muito espaço naquela calça e muito menos na camiseta. Já tem mais de cinco anos que o guarda-roupa dele mudou radicalmente. Até o neto acha uma peça que serve para ele! Uma vez por ano há uma troca de peças entre avô e neto.
- Ele de regata? Nunca imaginei! Tão discreto e tímido, agora tão mais extrovertido e à vontade em duas peças típicas de serem usadas no verão? Não, não parece ser a pessoa que conheço, definitivamente.
- De saia? Como assim? Me explica melhor.
- Sim, e não começou com uma peça discreta, não! Ele comprou foi logo uma bem colorida, acima dos joelhos! E ele cruza e "descruza" as pernas compridas centenas de vezes em uma única conversa! Sem falar dos brincos!
- É, foi logo na festa de família que ela decidiu estrear o bermudão, sabe aquele de jogador de basquete? Pois é. Aquelas pernas parecem finas demais para tanto pano! Porque eu acho que nessa idade não é hora de....
É assim que apresento o tema dessa coluna: como algumas roupas usadas por pessoas mais velhas afrontam boa parte da sociedade, desafiando normas rígidas que tentam esvaziá-las de sua sensualidade, beleza e libido?
É fácil escrever e até ler que vivemos em uma sociedade livre e de que cada pessoa pode fazer o que tem vontade, principalmente se essa não envolver o fazer o mal para alguém. Mas até que ponto? Qual o limite de autorização para a liberdade dos corpos das pessoas que estão envelhecendo?
Usar uma roupa que foge dos tons tipicamente atribuídos às avós e aos avôs, um corte de roupa que desnuda um segmento do corpo, seja um ombro ou um joelho, sempre gera algum incômodo na vida das pessoas mais velhas.
Quais os códigos de vestimenta que se transformaram em mandamentos quase que religiosos e restringem que corpos de pessoas mais velhas sejam expostos e, acredite, desejados por pessoas tão velhas quanto elas, e também por muita gente jovem, de três ou quatro décadas mais nova?
Não há dúvida que um dos prazeres da vida está na contemplação de belos corpos, mas, em razão da nossa convenção social, que é, na maioria das vezes, cobrir com roupas das mais diversas: vestido, saia, camiseta, blusa, jaqueta, bermuda, shorts, toca, boné, boina, tênis, sapato, sapatênis e tantos outros, essa situação contemplativa não ocorre na frequência esperada.
O que mais se discute, e que determina um modelo de consumo e de códigos de aceitação em diversos ambientes, não é apenas se a roupa ou a cor está na moda, o que já é um peso para muitas pessoas. A "crueldade" e preconceito se dão também pelo grupo de quem as estão vestindo, ou seja, uma idosa usar uma lingerie pequena, uma saia de mesmo tamanho, ou um homem idoso uma calça mais apertada ou uma mulher trans idosa aquele bermudão bem folgado tem seus comportamentos, infelizmente, condenados por muita gente, incluindo um grupo de pessoas idosas!
Além dessas, tem filho, neta, companheira e amigo que se sentem envergonhados pela roupa que a pessoa mais velha está vestindo! Esses preferiam a discrição e a simplicidade de cortes e cores antes e historicamente tão usadas por essas pessoas mais velhas.
No verso da camiseta ou na etiqueta daquela jaqueta há as marcas do preconceito etário, que impõe olhares, gestos e comportamentos que desautorizam pessoas mais velhas de serem quem são ou de estar onde gostariam! E isso é uma violência, um desrespeito sem tamanho, mas que muitas vezes vem ilustrado com uma frase:
- Ela tá bem da cabeça?
Sim, está bem. O que vai mal é a dificuldade em legitimar a identidade de uma pessoa velha que quer vestir o que quer, mas que ainda encontra diversas dificuldades para essa naturalização e compreensão das suas escolhas.
Sim, é um costume feio tornar patológico algo que, em uma pessoa mais jovem, é normal e se associa com vitalidade, beleza e boa autoestima, mas sendo uma pessoa velha não convém mostrar que essa vontade de se vestir sempre existiu, que demonstrava quando era jovem e que continua até os dias atuais.
É triste a sensação de falta de liberdade que muitas pessoas experimentavam quando impunham para si mesmas uma castração de desejos e duras penas baseadas em valores religiosos ou sociais. E agora veste a roupa que sempre quis e combina qualquer estampa ou cor com o belo sorriso que voltou a exibir.
O mercado começa a se desconstruir de tanto preconceito, principalmente algumas pessoas que sabem que um dia também serão pessoas mais velhas. Até lá, o jeito ainda será ousar cada vez mais, até que se consiga naturalizar que pessoas mais velhas podem vestir o que quiserem! E que há corpos lindos, repletos de histórias em cada parte da sua pele, em cada segmento corporal ou cicatriz!
Já está na hora de não mais pensarmos que pessoas que envelhecem e escolhem roupas diferentes daquelas comumente usadas por outras pessoas de sua mesma geração é um meio para esconder a idade ou demonstrar que são mais jovens! Pessoas mais velhas também têm bom gosto e admiram as roupas que são tendências naquele momento.
A forma como uma pessoa se veste no mundo é uma escolha dela, a partir da sua autonomia. E isso sempre será um direito, nunca um favor!
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