Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como descobri a depressão pós-parto muito tempo depois de ter o problema
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Hoje, não vou falar de alimentação e abordei um assunto muito importante: a depressão pós-parto, transtorno que o VivaBem está fazendo uma campanha durante essa semana para ajudar as mulheres a identificarem e superarem.
Pouca gente sabe, mas eu tive depressão pós-parto (DPP) e demorei anos para descobrir.
Eu sempre quis ser mãe. Sabia que isso aconteceria antes dos 30 anos e já estava com meus pensamentos e emoções preparados, porém, não estava preparada para a realidade de ser mãe sem rede de apoio.
Sou do Rio Grande do Sul e fui morar em Santa Catarina, longe de amigas de confiança e da minha família, pessoas que você sabe que pode contar na hora da dor, pessoas que você sabe que pode chamar às 3h45 da madrugada e você vai ser atendida com amor e respeito. Morar em um estado vizinho e com poucos contatos de confiança me fizeram enfrentar a maternidade e, principalmente o puerpério, de forma bem dolorosa no início.
Meu parto foi diferente do que eu pensava, afinal minha obstetra ficou sabendo quem eu era e quem o Valter era no dia do parto, e durante toda a preparação e troca de vestimenta para a hora do parto, ela confessou que estava tremendo pois era "uma grande responsabilidade", disse ela.
Durante o parto tive duas grandes baixas de pressão e precisei ser reanimada. Fizeram a manobra Kristeler —proibida por lei por ser considerada violência obstétrica— e a Pietra nasceu sem reações imediatas. O Valter estava na sala, gravou tudo e foi também ele que aspirou nossa filha até que ela respondesse.
Fiquei ali, na sala fria, fazendo esforço para ficar acordada e demorou algumas horas até que eu visse nossa bebê, mas o Valter esteve com a Pietra o tempo todo.
Fiz meu possível desde o primeiro segundo que ela saiu de mim, ficamos três dias no Rio Grande do Sul e então viemos para Florianópolis.
Os primeiros quinze dias foram mais tranquilos, eu sabia e tinha muito claro em mim que o amor sempre foi algo que cresceria com o tempo, mas foi quando as cólicas dos quinze dias chegaram que eu senti que tinha algo diferente em mim.
Eu sai de casa com muita independência quando deixei o lar da minha família aos 20 anos, sempre me julguei forte e bem resolvida com tudo, e ainda sei que sou assim, mas durante o puerpério, morando sozinha, apenas contando com o Valter para auxiliar e repartir por igual as rotinas da nova vida, é que quebrei a cara.
Pedir ajuda é um bloqueio para mim, deixar cair minha barreira da autossuficiência e da fortaleza que eu sempre ofereci aos meus amigos e a quem eu atendia, para me mostrar vulnerável, foi com certeza o grande causador da depressão pós-parto. Afinal, com muita alteração hormonal e todo o peso da maternidade, o peso dessa barreira que eu insistia em não quebrar se tornou insuportável.
Eu chorava escondida, dizia que estava tudo bem quando minha família perguntava como eu e a Pietra estávamos. Oferecia ajuda para quem estava perto de mim como forma de me sentir útil e ocupada, eu realmente não me preocupei com o corpo como muitos pensam quando somos profissionais da área, mas eu me preocupei em estar sempre bem para todo o mundo.
Eu ia a eventos, eu amava aquela criança, mas sabia que tinha alguma coisa estranha, pois nessas minhas andanças conheci muitas outras mulheres e elas me contavam coisas lindas sobre a maternidade que eu não estava tendo, nem vivendo, nem sentindo.
Escondi e segui.
A fase dos quinze dias após o nascimento é quando vem as cólicas de fato no bebê. É aí que os choros incontroláveis de uma criança começam —e ninguém prepara você para isso.
Eu li bastante, fui a autodidata que sempre fui, mas de fato ninguém fala a verdade nua e crua, como é.
O julgamento, ah esse julgamento!
Tenho certeza que quem escreve livros e textos para ajudar outras mães está falando o possível para não ser julgada. E eu senti isso sabe quando?
Quando dei algumas palestras. É, uma das minhas ações para continuar me sentindo útil foi escrever na internet o que eu sentia pelo menos de forma superficial para também não ser julgada, principalmente no mundo digital, onde os dedos apontados mais parecem a cabeça da Deusa Medusa. E então começou o movimento O Adulto Sou Eu (inclusive, escrevi um ebook sobre isso na época), com palestras em que eu dava meu relato sincero, e nessa sinceridade eu vi muitos dedos apontados para mim, multiplicados pelas cobras que neles continham.
Uma das minhas falas, que para mim é chocante até hoje pois não me imagino sentindo aquilo que senti, era a que eu contava que me via em muitos momentos jogando a Pietra pela ponte Hercilio Luz, aqui de Florianópolis.
As palestras eram para mulheres, mães, mas enquanto muitas choravam e me agradeciam por estar falando o que elas também estavam sentindo naquele momento, eu recebia olhares que me fintavam, me queimavam viva, muitas se levantavam dizendo que aquilo era um absurdo e falavam coisas como:
- "Onde já se viu uma mãe falando isso da própria filha?"
- "Deveriam tirar a criança dessa mulher"'
- "Ela não merece ser mãe!"
- 'Tá falando isso pois é famosa e quer espaço para aparecer..."
- "Quem mandou engravidar?!"
Eu escutei tanta coisa da boca de outras mulheres que hoje consigo contar nos dedos de uma mão aquelas que me olharam e disseram: "Taise, se tu precisar de alguma coisa, a qualquer hora, se quiser tomar um banho demorado, pode me chamar!"
O Valter, ele foi e ainda é um puta homem!
Fez e assumiu coisas que nem eu sabia que precisava, mas teve um dia que me marcou demais. Eu olhei para ele e disse que não sabia se conseguiria ser a mãe e que achava que precisava de ajuda, e ele fez o quê?
Ele me mandou tomar um banho demorado e tirar o roupão. Ele me acordou.
Ele estava ali o tempo todo. Ele estava fazendo mais do que era o papel dele, e ele sabia que o que eu precisava era da sacudida que ele tinha que me dar.
O esforço em ser perfeita, tentando dar conta de tudo, tentando ser filha boa, mulher boa, profissional boa, figura pública boa, cidadã boa, amiga boa, dona de casa boa, e agora mãe boa é e era demais, mas eu demorei para perceber e foi aquilo que me quebrou.
Tanto é que após muitos episódios, e sempre me mostrando ser uma mulher que queria ser boa naquilo que empenhava como papel, eu só assumi ter depressão pós-parto quando a Pietra tinha mais de um ano de vida.
Só que até esse ponto chegar, a luta interna era a que me consumia.
Mulher nenhuma está preparada para os julgamentos de ser quem está sendo, no caso mãe, em uma sociedade que não admite erros
A sobrecarga de ser quem somos em um momento de extremos sentimentos e desordem interna, ao passo que devemos ser responsáveis e firmes no externo, afinal existe um ser recém-nascido completamente dependente de nós, é desgastante, é quase desumano, mas é possível quando temos ajuda, quando temos a rede de apoio, quando temos suporte.
O amor pela minha filha sempre cresceu conforme eu deixava crescer, conforme eu me permitia errar e quebrava meus papéis de 'mulher que faz tudo'.
Mas, sim, dolorosamente posso admitir hoje, e digo dolorosamente pois não me cabe na cabeça dizer que sentia isso lá atrás, mas em muitos momentos eu odiei minha filha.
Hoje me perdoo pois como filha já odiei minha mãe, como esposa já odiei meu noivo, como amiga já odiei minha melhor amiga, como torcedora já odiei meu time, como fiel já odiei e desisti de Deus e da fé.
Então me perdoo, e hoje sei que aproveito meu amor a cada segundo com minha filha.
O autoperdão e autopiedade é uma força de liberdade para as mães.
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