Teste de pisada é indispensável para escolher o tênis certo para correr?
Uma dúvida muito comum de quem corre é como escolher o calçado ideal para treinar. A resposta, frequentemente, vem de bate-pronto: "Deve-se fazer o teste da pisada para descobrir sua pisada".
Em seguida, a pessoa explica: "A pisada pronada é aquela na qual ocorre um desabamento da parte interna do pé ao apoiá-lo no solo e você precisa de controle de movimento. Na pisada neutra esse 'desabamento' é pequeno. E na pisada supinada ele não ocorre e você necessita de mais amortecimento". A ideia é que, com essa informação, o atleta poderia adequar o tênis à sua pisada. Assim, estaria mais protegido de lesões.
Parece perfeito, não? Parece, mas não é.
Em primeiro lugar, na maior parte das vezes o que é chamado de teste da pisada é feito de forma estática. Ou seja, avalia-se a postura do pé (pronado, supinado ou neutro). Outras vezes é feito com a pessoa caminhando (a pisada andando pode ser diferente da correndo). Uma coisa é a postura do pé (avaliada de forma estática), outra coisa é a pisada em si (avaliada em movimento). E, no caso de corredores, a pisada deveria ser avaliada com o atleta correndo!
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A postura do pé é fator de risco para lesões?
A resposta para essa pergunta parece ser positiva. Ter pés com maior "queda para dentro" (pronação) parece ser um pequeno fator de risco para a canelite (síndrome do estresse tibial medial). Ótimo, temos a resposta em relação à postura. Mas e em relação ao teste feito em movimento, ou seja, à pisada. Ela é fator de risco?
A resposta é não. A análise de diversos estudos nos mostra que não podemos afirmar que a pisada seja fator de risco para qualquer lesão. Mas a nossa principal pergunta ainda está de pé: adequar o calçado de acordo com a postura ou com a pisada evita que você se machuque?
Em militares --que correm, mas não da mesma forma que os corredores de rua -- uma série de estudos envolvendo mais de 7000 indivíduos foi feita para tentar responder a essa pergunta. Os resultados mostraram que a adequação do calçado não teve nenhum efeito preventivo na ocorrência de lesões .
Mas corredores não são militares... O calçado é diferente, o esforço é diferente. Vai que neles os resultados também são. Pois bem, um estudo canadense avaliou a pisada em mulheres, todas corredoras experientes em treinamento para uma meia maratona (21,097 km). Algumas tiveram o calçado adequado à postura do pé, outras não. Os resultados, não surpreendentemente, mostraram que adequar o tênis não trouxe benefícios em termos de prevenção.
Portanto, parece que adequar o tênis à postura ou à pisada não é a maneira de escolher um calçado para correr.
Mas existe um contraponto. E ele é forte. Um estudo recentemente publicado acompanhou mais de 300 corredores de ambos os sexos, que usaram um tênis com controle de movimento ou neutro. Após seis meses, os cientistas analisaram a relação entre lesões, calçado utilizado e postura do pé. E o que foi encontrado? Que corredores com pé mais pronado, que utilizaram o calçado com controle do movimento, se lesionaram menos que aqueles que não o utilizaram. Além disso, dentre os atletas que usaram o calçado neutro, aqueles com pé pronado tiveram mais lesões. A associação entre maior benefício no uso de calçado com controle do movimento em indivíduos com pé pronado parece clara.
Porém, o método de avaliação da postura do pé foi o Índice de Postura do Pé (Foot Posture Index). Esse método é bem mais detalhado do que o método da análise da pisada convencional.
Essa é uma estratégia que pode ser válida. Avaliar a postura do pé pelo Índice de Postura do Pé e, caso a pessoa tenha um pé pronado, deve optar por um calçado com controle de movimento.
Porém, temos três coisas a considerar:
- Você conhece quem faça a avaliação pelo Índice de Postura do Pé?
- E se seu pé não for pronado?
- E, por fim, e se seu pé for pronado, mas você se sentir bem desconfortável ao usar um calçado com controle de movimento?
Existe uma outra hipótese que pode ser usada paralelamente a essa estratégia. A de testar o calçado e verificar se ele fica confortável ao correr. Tem fundamento? Sim!
Se baseando em diversos estudos, um grupo de pesquisadores canadenses propôs o paradigma da "Trajetória Preferida de Movimento". Segundo eles, o corpo se move de uma determinada forma e o calçado pode permitir ou atrapalhar esse "jeitão" de ele se movimentar. Quando permite, há conforto e menor sobrecarga muscular e articular. Quando atrapalha, o corpo faz "força" pra voltar ao seu "jeitão", há aumento da sobrecarga muscular e articular e menos conforto.
No caso da escolha do seu tênis de corrida, a melhor dica talvez seja a de, simplesmente, colocar o calçado, correr e ver se ficou confortável. Se a resposta for positiva, é bem provável que este seja o modelo certo pra você.
Simples, e já tem muita gente utilizando essa forma de escolha.
E você corredor, qual sua experiência na escolha do calçado para correr? Conte nos comentários.
Referências
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