Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Pandemia partidária: estudo avalia como os estados lidaram com a covid
Basta viver no Brasil para constatar diariamente os efeitos da politização da pandemia. Sem uma resposta nacional clara e unificada para conter a disseminação do vírus assim que ele chegou ao país, o que vimos e sofremos até agora foi um bate-cabeça sem fim.
Governadores dotados de alguma inteligência dentro dela trataram de tomar medidas contra o avanço da covid-19. Erraram, acertaram, improvisaram, mas marcaram forte oposição ao presidente Bolsonaro, que segue jogando de braços dados com o vírus rumo ao placar de 500 mil mortes.
Esse é o panorama geral da nossa tragédia. Pesquisadores de diferentes países (Estados Unidos, México, Colômbia, Chile e Brasil) decidiram ir mais a fundo. Eles analisaram o que cada estado brasileiro fez (ou não fez) para evitar o pior. E como a posição política dos governadores (opositores ou aliados de Bolsonaro) influencia as ações de saúde.
No estudo, eles analisam o tempo e o rigor da adoção de medidas não farmacológicas (vacina não entra nessa avaliação) para conter a disseminação do Sars-CoV-2. Para comparar o desempenho dos estados, os pesquisadores criaram um índice composto de dez variáveis (exigência de uso de máscara, fechamento de escolas, restrição de mobilidade, cancelamento de eventos públicos, campanhas informativas etc).
O estudo abrange as 27 unidades federativas no período entre 25 de fevereiro (data do primeiro caso de covid-19 reportado no Brasil) e 29 de outubro de 2020. O resultado da pesquisa do professor Michael Touchton, da Universidade de Miami, e colegas está no artigo publicado na revista científica BMJ Global Health.
O Brasil e os vizinhos
Além de avaliar os estados, a pesquisa também compara a adoção de políticas públicas contra a covid pelo Brasil e outras nações da América Latina. Todos os países analisados (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru) adotaram medidas mais restritivas que o Brasil, como mostra o gráfico abaixo.
"A América Latina é o epicentro da pandemia. O Brasil é o epicentro dentro do epicentro", escrevem os autores. "A adoção de medidas não farmacológicas para conter a expansão da covid varia amplamente entre os países. A resposta federal do Brasil à covid foi lenta e limitada, em comparação às outras nações da região".
A diferença entre os estados
No Brasil, os pesquisadores também constataram grande variação entre as ações estaduais. Cada governo age à sua maneira. "Os brasileiros experimentaram diferentes pandemias, dependendo do estado em que viviam", observam Touchton e colegas. "Enquanto alguns estados emitiam bloqueios e reduziam drasticamente o movimento dos cidadãos, em outros quase não houve restrições".
Nenhum estado adotou medidas de contenção abrangentes, segundo a avaliação, mas alguns fizeram mais do que outros. A ação mais frequente entre as adotadas pelos governos estaduais foi o desenvolvimento de campanhas de informação.
No início da pandemia (março e abril), Minas Gerais e São Paulo adotaram medidas com menos rigor que outros estados, mas melhoraram em julho, segundo os autores. Eles observam que muitos estados avançaram no início da pandemia e, em seguida, relaxaram as restrições quando reabriram as atividades em junho.
Isso se refere a duas fases da pandemia no Brasil. Na primeira, antes de 1º de junho, a maioria dos governos estaduais impôs algumas medidas para reduzir o movimento da população. Já na segunda fase, após essa data, houve relaxamente das restrições.
Oposição à frente
Segundo a análise, os estados governados pela oposição a Bolsonaro adotaram políticas públicas mais rigorosas com o objetivo de conter a covid. Na porção direita superior do quadro abaixo, aparecem os estados que obtiveram maior pontuação no índice que avalia a adoção de medidas não farmacológicas. Esses estados também foram os que alcançaram maior redução da circulação de pessoas.
Nesse grupo, a maioria dos estados tem governadores de esquerda ou centro-esquerda: Ceará, Amapá, Piauí, Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia. No quadro, as siglas aparecem em verde.
Na mesma categoria de desempenho, representados em amarelo, aparecem três estados governados por partidos de centro: Sergipe, Alagoas e Pará. O estranho no ninho é o Rio de Janeiro, representado em vermelho, governado por um aliado de Bolsonaro.
Casos curiosos
Rondônia é outro caso curioso. Embora seja governado por um aliado do presidente, o estado aparece no estudo como aquele que adotou políticas rigorosas, mais rapidamente (24 dias após o primeiro caso).
Por outro lado, Mato Grosso do Sul, não alinhado ao governo federal, foi o estado que adotou menos medidas não farmacológicas de combate à covid.
Diante da colcha de retalhos que caracteriza a resposta brasileira à maior pandemia dos últimos 100 anos, a conclusão dos autores expressa o básico que nos foi negado:
"Uma resposta nacional forte e unificada a uma pandemia é essencial para manter a população segura e livre de doenças, tanto no início de um surto quanto à medida que as comunidades começam a reabrir. Essa resposta nacional deve estar alinhada com a adoção das medidas pelos estados e municípios".
Em um país desgovernado, o que não falta é desalinho.
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