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Como a perda da mãe fez Glauco investigar o valor da tecnologia na saúde
Jornadas ásperas ganham outro significado quando induzem alguém a enxergar novos e sólidos interesses. Foi assim com o engenheiro Glauco Marolla, especialista em transformação digital na IBM. O que de melhor ele poderia ter feito com a dor da perda da mãe, a pedagoga Maria Amélia, vítima de um câncer de ovário?
Inspirado pela trajetória dela, uma estudante contumaz com várias graduações e pós-graduações no currículo, Glauco decidiu persistir na trilha do conhecimento e investigar como a tecnologia pode ampliar o acesso à saúde.
Durante a pandemia de covid-19, ele entrevistou médicos para avaliar os benefícios da plataforma RadVid na detecção dos danos pulmonares provocados pela covid-19 e o impacto dessa tecnologia no desfecho clínico dos pacientes. A pesquisa faz parte da dissertação de mestrado sobre valor em saúde, defendida por ele na Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).
A inclusão
Adotado pelo Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas (InRad), em São Paulo, o RadVid é um sistema baseado em inteligência artificial e aprendizado de máquina que ajuda na análise de imagens tomográficas.
Ele foi útil também a médicos de outras cidades que precisavam fazer diagnósticos precisos de uma doença nova e desafiadora. Além dos radiologistas que atuam em São Paulo, Glauco entrevistou profissionais de Recife, Manaus e Belém.
"A principal conclusão: uma tecnologia inteligente pode contribuir para a melhoria da condição clínica do paciente e promover uma democratização do acesso à saúde, mas ela não consegue mudar o curso de uma pandemia", diz ele.
Segundo Glauco, a adoção de tecnologia é um fator de inclusão. "No universo do Hospital das Clínicas, onde havia muitos médicos para analisar as imagens dos pacientes de covid, o impacto do RadVid foi um pouco menor", afirma.
"Em Manaus, Belém e em outras áreas sem tantos radiologistas disponíveis durante a pandemia, a ferramenta ajudou muito os médicos a fazer diagnósticos e a dar prognósticos", diz ele.
"Em um contexto de falta de leitos e de medicamentos, a tecnologia permitiu que os profissionais decidissem com mais segurança quais pacientes deveriam ser internados e quais poderiam voltar para casa".
O cuidado
O interesse de Glauco por saúde é fruto da imersão vivida por ele no universo hospitalar durante o intenso tratamento da mãe. Escolhido por Maria Amélia para acompanhá-la em cada etapa, o filho do meio fez de tudo para oferecer a ela o melhor cuidado possível.
"Quem escolhe o cuidador é o doente. No caso da minha mãe, isso ficou muito claro. Ele me escolheu. Mesmo quando esteve inconsciente, sei que ficava tranquila por saber que eu estava lá. É uma relação que transcende a razão", diz ele.
Maria Amélia recebeu o diagnóstico de câncer de ovário em 2016. Como ocorre com a maioria das mulheres que tem esse tipo de tumor, a doença só foi descoberta em estágio avançado. No início, a pedagoga foi tratada no Hospital do Servidor Público Estadual, mas Glauco precisava ter a certeza de ter feito tudo o que era possível para salvá-la.
Ele procurou alguns dos médicos mais renomados do país e decidiu levá-la ao Hospital Sírio-Libanês, mesmo sem ter um plano de saúde que cobrisse as despesas. Gastou todo o dinheiro que tinha e o que não tinha na tentativa de prolongar a vida da mãe. Só a conta da internação (sem contar consultas particulares e exames) superou os R$ 2 milhões.
A esperança
Como não existe uma quimioterapia específica para o tratamento do câncer de ovário, Glauco decidiu levar amostras do tumor e outras documentações a Nova York, nos Estados Unidos, para que o caso fosse analisado pelo supercomputador IBM Watson Health.
"Levei tudo para lá mais por curiosidade sobre a ferramenta. Tinha a sensação de que já era um pouco tarde, mas queria ver se a máquina sugeria algum remédio", diz. "O Watson indicou outra quimioterapia, mas não deu tempo de fazer. Logo minha mãe entrou em crise na UTI".
O limite
Foram quase 50 dias de terapia intensiva. "Eu passava 24 horas na UTI humanizada. Minha mãe poderia ter ficado mais dias intubada, ligada às máquinas e fazendo hemodiálise. Quando ela começou a ter convulsões, vimos que não dava mais", diz ele.
"A tecnologia consegue segurar uma pessoa viva, mas até que ponto é humano manter alguém nessas condições? Há um limite que precisa ser respeitado". Maria Amélia morreu em 2018. A experiência despertou aprendizados.
"Uma das coisas que aprendi foi a valorizar o serviço público de saúde. Para ser justo, é preciso dizer que o tratamento que ela recebeu no Hospital do Servidor Público Estadual e no Sírio-Libanês foi semelhante. As drogas foram as mesmas, o básico é muito parecido", afirma.
A transformação
No doutorado, Glauco pretende seguir pesquisando como a tecnologia pode ajudar a promover qualidade de vida. "A saúde é um dos setores que mais resistem a entrar na Quarta Revolução Industrial (centrada no uso de inteligência artificial). Falta interesse em integrar as coisas. Não adianta diferentes hospitais terem sistemas que não se falam. Isso é ruim para os pacientes", diz.
"A máquina não substitui o médico. Ela não tem o tato, o olhar e a experiência dele. Com mais informação oferecida pela inteligência artificial, o médico vai poder ter mais tempo para dedicar ao doente, explicar as coisas em detalhes e interagir melhor com ele", diz.
O valor dessa interação Glauco conhece bem. Não só na teoria.
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