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"Com cirurgias all inclusive, nossa plataforma quer ser o iFood da saúde"
"Cirurgias que cabem no seu bolso!" Quem acessa o site da Saúde iD e é recebido por essa oferta não percebe que está prestes a comprar um produto negociado por uma empresa do Grupo Fleury. Nesse ambiente digital nada remete à tradicional rede de laboratórios fundada em 1926. Nem mesmo o azul da comunicação visual, tão distante do conhecidíssimo vermelho.
A plataforma que começa a vender cirurgias diretamente aos pacientes marca um novo mundo nas relações entre prestadores de serviços médicos e clientes em busca de soluções rápidas para problemas pontuais. "Queremos ser o iFood da saúde", diz a médica e empreendedora Paula Mateus, diretora comercial da Saúde iD.
Em um mercado conhecido pela falta de transparência sobre o custo dos procedimentos, é surpreendente ver expostos no site os preços das cirurgias e os nomes dos hospitais onde elas podem ser realizadas, sem intermediação dos planos de saúde.
Por R$ 9.600 é possível comprar uma cirurgia de vesícula. Quem estiver disposto a pagar um pouco mais (R$ 11.980) pode levar o procedimento na versão plus, que inclui a retirada de pedras fora da vesícula, caso necessário. Uma operação de hérnia inguinal unilateral sai por R$ 6.520,80. Para realizá-la por videolaparoscopia é preciso investir um pouco mais: R$ 9.360.
O acesso a uma vasectomia sai por R$ 2.820, mas é bom pensar bem. Para revertê-la, a dor no bolso sobe para R$ 5.520,00. "Nosso modelo é all inclusive. Está tudo incluso: pré-operatório, internação, pós-operatório, consultas, honorários médicos, medicamentos etc. O cliente não pode ter surpresinhas", diz Paula. Para estar na plataforma, os hospitais pagam à Saúde iD 10% do valor de cada procedimento vendido aos clientes.
A compra de cirurgias isoladas não resolve a vida de quem entende a importância de contar com uma atenção à saúde abrangente e continuada. Nem substitui o conjunto de serviços prestados pelo valoroso Sistema Único de Saúde (SUS), que vai da prevenção de doenças ao custeio de procedimentos de altíssimo custo, mas desponta como uma alternativa às filas que ele não consegue desafogar.
Em entrevista à coluna, Paula fala sobre a ideia de criar um "corujão da saúde" no setor privado e explica detalhes do novo negócio.
Qual é o público desassistido que vocês pretendem atingir?
O público principal são as pessoas sem plano de saúde que têm indicação cirúrgica e estão na fila do SUS. Sou cirurgiã, vim da administração pública e vivi essa dor. Há três milhões de cirurgias represadas no SUS. Sabemos que 52% dessas cirurgias se resumem a cinco procedimentos: hérnia, vesícula, catarata, amígdalas e varizes. Ou seja: oferecendo cinco procedimentos, é possível resolver 52% da fila cirúrgica do SUS. Nosso foco é dar uma opção a essas pessoas.
Além dos pacientes do SUS, quem mais vocês pretendem alcançar?
Aquelas pessoas que têm um plano de saúde com restrições de rede credenciada podem preferir fazer a cirurgia em um hospital de sua escolha que ofereça o procedimento na nossa plataforma. Atualmente temos hospitais parceiros apenas em São Paulo, mas já estou com lista de espera no Sul e no Nordeste.
Qual tem sido a adesão do público?
Subimos a primeira versão do marketplace em junho. Ainda não fizemos divulgação na mídia nem estamos impactando fortemente no Instagram. Estamos aprendendo com a tese. Mais de 600 pessoas demonstraram interesse no serviço. Temos quase 30 cirurgias realizadas.
Qual é o grande diferencial do sistema all inclusive?
O all inclusive significa oferecer o pré-operatório, a internação, o pós-operatório, todas as consultas, todos os honorários médicos, todo o risco etc...Se o paciente tiver que ir para a UTI, está incluído. Se tiver que reoperar, está incluído. O paciente sai do hospital já com o remédio do pós-operatório. Não para na farmácia para comprar. É all inclusive mesmo. Não tem nenhum item fora desse ciclo de cuidado que não seja oferecido.
O que é preciso garantir para que o hospital aceite oferecer procedimentos dessa forma?
O hospital precisa que o paciente venha pronto para pagar pelo procedimento. Do outro lado, o paciente quer um procedimento com preço único. Alguns precisam parcelar no cartão de crédito ou no boleto. Outros pegam um empréstimo ou fazem financiamento. Outros passam o chapéu na família, entre os amigos, fazem bingo ou rifa. Quando conseguem saber o preço da cirurgia, eles se mobilizam como podem. Em breve, vamos adotar um sistema de vaquinha na plataforma. Qualquer pessoa vai poder ver o perfil e as necessidades dos que precisam de uma cirurgia e fazer doações para que o paciente possa ser operado.
Quem paga a conta se houver uma complicação cirúrgica e o custo aumentar?
O hospital. Quando precifica, ele inclui esse risco. O nome desse modelo de remuneração é bundle (pacote) cirúrgico de desfecho. É um modelo de cuidado de saúde baseado em valor (VBHC). Muito se fala hoje em medicina baseada em valor, mas poucos entregam. O primeiro hospital que colocou isso para funcionar de verdade no Brasil foi a BR Surgery, nosso parceiro principal. Esse é um hospital-dia criado há dois anos. Para um hospital lançar suas ofertas na plataforma, todas as cirurgias precisam ser all inclusive. É a única maneira de a população ter acesso aos procedimentos. As pessoas não podem ter surpresinhas. Imagine entrar em um restaurante sem saber quanto a comida vai custar. É insano que os hospitais façam isso.
Por que os hospitais aceitam oferecer essas cinco cirurgias por um preço mais baixo?
Eles se baseiam em quatro premissas: são cirurgias com alta previsibilidade de custo, baixa complexidade técnica e ciclos de cuidado abaixo de 30 dias. Desde sua criação, a BR Surgery fez mais de 500 cirurgias desse tipo. Nenhum paciente foi para a UTI. Se algum for, o hospital arca com esse custo. A cada procedimento vendido, ele vai fazendo um fundo garantidor para cobrir imprevistos.
Quem determina o preço dos procedimentos?
O hospital. Ele pode dizer, por exemplo, que no sábado o preço é mais baixo porque o centro cirúrgico está mais vazio. Os hospitais estão começando a precificar as cirurgias da mesma forma como o setor aéreo faz com as passagens aéreas. Em horários mais ociosos, elas são mais baratas. Quando entra na plataforma, a pessoa vê as diferentes ofertas dos diversos prestadores e pode escolher a mais barata ou o hospital em que ela confia mais. Acho que as pessoas não vão se basear apenas em preço. Vão comparar também qualidade, marcas e avaliações dos usuários.
Quais são os outros hospitais parceiros?
Hoje só posso divulgar a BR Surgery e o Day Clinic do próprio Fleury, mas estou com três outras redes em fase de assinatura. Em fila de espera, temos mais de 30 hospitais. Nesta semana vou assinar com uma rede grande de oftalmologia e com outra de odontologia. Vamos trazer procedimentos odontológicos também, como lentes dentárias com ótimo preço. E também Invisalign, implante, botox, limpeza e clareamento.
Os hospitais aceitam o paciente mesmo sem conhecê-lo? E se ele tiver comorbidades que aumentam o risco da cirurgia?
Quando o paciente nos procura pela plataforma para comprar a cirurgia, fazemos uma pré-reserva e nosso time inicia o que chamamos de pré-ciclo. Abrimos o prontuário do paciente, subimos todos os exames na plataforma, pré-validamos a indicação cirúrgica. Em hospital-dia, é possível operar pacientes sem comorbidades ou com comorbidades controladas. Pode ser diabético, hipertenso etc, desde que as doenças estejam controladas. Paciente de alto risco não é aceito neste momento.
O que mais vocês fazem?
Toda a coordenação do cuidado do paciente. Fazemos isso com enfermeira navegadora, com inteligência artificial, com chatbot e outras coisas. O paciente não fica solto. Não fazemos apenas a transação financeira de conectar o paciente com indicação cirúrgica e o hospital. Durante todo o ciclo de cuidado, o nosso time de saúde acompanha diariamente esse paciente. Além disso, meço o desfecho clínico dele por um ano.
O paciente só vê o médico na hora da cirurgia?
Ele vê o médico antes disso. Temos o pré-ciclo virtual, que é feito pelo nosso time de saúde. Tudo por telemedicina e teleconsulta. Depois disso, no ciclo 1, o paciente vai ao hospital. Lá ele se consulta com o anestesista, o cirurgião e o médico navegador. Eles vão validar tudo e agendar a cirurgia. O ciclo 2 é o da internação. Geralmente ele tem alta no mesmo dia. O ciclo 3 é todo o pós-operatório. Para um paciente do SUS que conhece o cirurgião só na mesa de operação, conhecer o médico na primeira consulta é um grande passo. Pacientes há dois anos na fila do SUS agora estão indo para a mesa de cirurgia em 15 dias, por valores de até R$ 11 mil.
De onde surgiu a ideia? Existe esse tipo de relação com os prestadores em algum outro lugar?
Não existe. Você está falando com quem acordou de manhã e teve essa ideia. Tudo isso começou com a minha passagem pela gestão pública. Dirigi o Hospital Municipal Ruth Cardoso, em Balneário Camboriú (SC). Ele é 100% SUS. Fizemos lá o primeiro corujão da saúde, mas sem esse nome. Na época, o governador João Dória ainda não tinha sido eleito em São Paulo. Quem abriu a jurisprudência desse modelo no Brasil fomos nós em Balneário Camboriú. Nada mais é do que um chamamento público. Mostrei que dava para fazer e eles lançaram a tese aqui em São Paulo, com todo esse marketing em cima.
Como o Fleury decidiu lançar esse corujão da saúde privado?
Depois da experiência em Balneário Camboriú, resolvi persistir na ideia de criar um corujão da saúde no meio privado. Comecei a estudar como seria possível fazer isso, montei um projeto e fiquei modelando a tese por dois anos. Auditei contas médicas em hospitais, conversei com toda a indústria de varejo etc. Até chegar à conclusão de que tinha que ser um marketplace, com cirurgia all inclusive. Levantei qual era a dor dos hospitais, o que eles precisavam como receita acessória. A dor dos pacientes eu conhecia bem por causa da minha experiência no SUS. Estudamos como trazer os múltiplos meios de pagamento, as regras tributárias etc. Vimos que realmente não tinha benchmark nenhum no mundo. Recebi o convite do Fleury em dezembro de 2020. Queremos ser o iFood da saúde.
Como você define o conceito de marketplace na saúde?
Todo mundo conhece marketplaces como o Magazine Luiza ou o iFood. Muita gente chama de plataforma qualquer digitalização ou transformação digital de saúde, mas não é correto. Plataforma é um modelo de negócios que tem um vendedor de um lado e um comprador de outro, com uma unidade de valor no meio, transacionando ou não dinheiro. O iFood, por exemplo, nos conecta com os restaurantes e nos traz a comida. Ele faz a navegação. Isso é um modelo de marketplace.
Quais serão os próximos passos?
Na Saúde iD, não vamos oferecer apenas cirurgias. Até o final do ano, teremos exames e consultas presenciais.Vamos mostrar os preços dos exames e procedimentos no Fleury, no A+, na Dasa, no Salomão Zoppi etc. O cliente vai conseguir olhar as ofertas de todos, mesmo dos laboratórios concorrentes, como se estivesse procurando uma passagem na Decolar. Finalmente, vai poder comparar empresas e preços. Minha missão é mostrar que um grande marketplace como esse também funciona na saúde.
Nota de esclarecimento: Citada pela entrevistada, a Dasa informou que ela e suas marcas não possuem parceria com a Saúde iD e que não existem conversas entre as empresas para a realização de iniciativas em conjunto.
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