Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vitamina D virou febre na pandemia, mas pelo motivo incorreto
Parece que o mundo descobriu a importância da vitamina D no período da pandemia. A ela foi dada justa importância, mas o motivo foi incorreto.
Não é de hoje que as possíveis ações extra-ósseas da vitamina D são motivos de estudo. Alguns estudos têm sugerido que ela pode influenciar também o sistema imunológico.
Sua deficiência (hipovitaminose D) pode estar relacionada com o desenvolvimento de diabetes tipo 1 (as chamadas insulino dependentes que aparecem geralmente na infância), outras doenças autoimunes como artrite reumatoide e lúpus, doenças inflamatórias intestinais, doenças cardiovasculares como a hipertensão, doenças psiquiátricas como a esquizofrenia e depressão e até esclerose múltipla. Particularmente nesta doença, a relação entre vitamina D e esclerose múltipla parece mais clara como dezenas de trabalhos científicos evidenciam.
Há também um relato histórico (estudo realizado em 2013 pela Universidade de Oxford) de quando o líder espiritual e político da Revolução Iraniana, o aiatolá Khomeini, tomou o poder de 1979 depondo Mohammad Reza Pahlavi e instaurou um governo islâmico, obrigando as mulheres a usar trajes que cobriam todo o corpo dificultando a produção dessa vitamina estimulada pelo sol. Nos anos que se seguiram, o número de casos de esclerose múltipla cresceu 800% no país.
O conceito consolidado até o momento é o de que a deficiência da vitamina D é prejudicial na esclerose múltipla, devendo ser corrigida e mantida em níveis adequados.
Segundo o consenso da Academia Brasileira de Neurologia, os valores abaixo do normal devem, sim, ser corrigidos, pois parecem guardar relação com o desenvolvimento da doença e assim é tido como fator de risco para doença, mas o nível acima do normal é considerado experimental, devendo idealmente ser tratada dentro de um ambiente de pesquisa.
É importante salientar que a reposição de vitamina D em portadores de esclerose múltipla é fundamental, devendo ser feita em todos os pacientes, mas o tratamento isolado com doses altas de vitamina D ainda não é um tratamento reconhecido nem aqui no Brasil, nem por nenhuma associação médica ou neurológica no mundo inteiro.
Diante dessas associações, sugere-se que a vitamina D seja um fator extrínseco, que pode ser capaz de afetar a prevalência dessas doenças. Contudo no momento ainda não é possível comprovar a relação causa-efeito, sendo necessária a realização de mais estudos, como explica Bianca Amaral, nutricionista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz).
Vitamina D e covid
No início da pandemia, alguns estudos, dentre eles um realizado na Universidade de Turim, sugeriram uma relação entre níveis baixos da vitamina D e piora na evolução em pacientes infectados pelo coronavírus.
Em face ao enorme número de solicitações e prescrições, a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) publica nota, manifestando repúdio a esta conduta e informando que tal procedimento carecia de estudos e a associação de níveis baixos da vitamina D não determina causalidade, ou seja, não indica relação de causa x efeito, e nenhum estudo clínico randomizado já demostrou qualquer benefício do uso de vitamina D para prevenção ou tratamento da covid-19.
Ainda, conforme a SBEM, "não causa surpresa o achado de níveis séricos mais baixos de vitamina D em pacientes com formas moderadas a graves da covid-19, já que as comorbidades apresentadas comumente por esses indivíduos (por exemplo, doenças crônicas, doenças inflamatórias, obesidade e diabetes) são primariamente associadas à deficiência de vitamina D."
Nova denominação
Esse é outro conceito que precisa ser revisto. Por definição, a vitamina D não é uma vitamina. Vitaminas são obtidas em sua maior parte pela alimentação e, embora possamos encontrar a vitamina D em alguns alimentos, como gema de ovo, iogurtes, leite materno, leite de vaca, fígado de boi e alguns peixes gordos (salmão, atum, cavala, arenque, sardinha), a ingesta representa apenas 10% e os outros 90% são obtidos através da síntese na pele após a exposição solar.
Daí a recomendação médica de exposição ao sol, criando mais um dilema na medicina já que o mesmo fator de proteção solar (FPS), fundamental para proteger-nos de câncer de pele também dificulta a produção dessa "vitamina" (FPS acima de 30 chega a bloquear 95% do raio UVB).
Assim, a vitamina D recebe a denominação cientifica de um pró-hormônio (que ainda precisa da ação de uma enzima para atuação e não há um órgão de atuação especifica, como acontece com os hormônios).
Mas tomar mais não faz mal, certo?
Errado. É muito importante ressaltar que sabemos que as hipervitaminoses são tão ou mais deletérias à saúde do que a falta delas. E a "D", mesmo não sendo caracterizada como vitamina, não é uma exceção e é muito comum no consultório encontrar pacientes com níveis muito acima do recomendado.
Essas vitaminas em doses elevadas são sabidamente e paradoxalmente deletérias ao esqueleto, e como reforça a SBEM, níveis elevados promovem aumento da reabsorção óssea e do risco de quedas e fraturas.
Além disso, essas doses excessivas podem agudamente desencadear excesso de cálcio no sangue e na urina, com consequentes riscos de falência dos rins, crises convulsivas e morte.
A história da vitamina D e a pandemia é apenas mais um exemplo de que a medicina é uma ciência de verdades transitórias e não se pode considerar nenhuma prática como imutável, pois, como disse Noah Gordon, um escritor estadunidense, cujos romances falam sobre história da medicina e ética médica: "Embora você estude medicina por uma série de vidas, virão até você pessoas cujas doenças são mistérios, pois a angústia da qual você fala é parte integrante da profissão de cura e deve ser vivida."
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