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Dante Senra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não, você não tem direito a não se vacinar!

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

31/10/2021 04h00

Assumir posições bem definidas no Brasil sempre foi um problema. Em tempos de redes sociais e polarização parece uma loucura.

Poucas vezes o fiz com essa convicção e embora o ônus possa ser grande, nada se comparará ao benefício se pelo menos uma pessoa for convencida e aceitar se vacinar contra o coronavírus ao ler esta coluna.

A humanidade deve sua longevidade em grande parte às vacinas, bem como ao tratamento da água e esgoto, acesso a alimentos e ao surgimento dos antibióticos. Estes 4 fatores seguramente fizeram com que a expectativa de vida do brasileiro em 30 anos saísse de 50 para quase 80 anos.

Difícil entender então o porquê da desconfiança nas vacinas.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada ano as vacinas salvam 3 milhões de pessoas —dado que ainda não leva em conta a pandemia de covid-19.

Temos um Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973 que é referência mundial, orgulho do país ao distribuir vacinas gratuitas para toda população e foi responsável por mudar o perfil epidemiológico das doenças. Distribui gratuitamente 45 imunobiológicos para a população. Nunca houve essa questão.

A vacinação diminui não somente os casos da doença, mas também a circulação do vírus na comunidade e a gravidade dos casos contaminados. E é assim com o coronavírus.

Todas as vacinas disponíveis no Brasil passam pela avaliação do mesmo órgão regulador, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e também é assim com as vacinas para o coronavírus.

Em uma época em que os vírus andam de avião, conseguimos reduzir a mortalidade para 10% da pandemia da gripe espanhola. Lógico que os recursos de saneamento (apesar de parcos em nosso país) e de avanços no tratamento nas terapias intensivas tiveram papel relevante no resultado, mas indiscutivelmente devemos à vacinação algum respiro que estamos conseguindo ter neste momento.

Ainda durante a pandemia, tivemos a sorte de poder contar com vacinas em tempo recorde, sendo atribuídas a elas, com razão, a única forma de sairmos desta situação.

Curiosamente, a velocidade que a ciência as produziu é usada como argumento para alimentar incertezas.
A desinformação é uma das mais sérias ameaças à saúde pública e é ainda mais prejudicial quando alimenta dúvidas sobre a vacina contra a covid-19, afirmou nesta semana a diretora da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Carissa F. Etienne.

Infelizmente não houve campanha oficial com informação o suficiente que estimulasse a vacinação ou pudesse desfazer fake news.

Segundo publicação recente do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças - agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos), o risco de hospitalização em caso de contágio por coronavírus é 12 vezes maior na população não vacinada. Não há argumentos razoáveis que sustentem a recusa da vacina.

Relatos muitos raros de efeitos colaterais inesperados de algumas vacinas contra a covid-19 não devem fazer as pessoas hesitarem em se imunizar, como afirma Carrissa Etiene.

O risco de trombose por exemplo, com a vacina da AstraZeneca, é de apenas 0,0004%. Enquanto isso, o risco com o uso de anticoncepcional varia de 0,05% a 0,12%. Mas o mesmo risco ao ser contaminado pela covid-19 é de 16,5%. Os dados são da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH).

É meu direito não tomar vacina?

Ainda que em um primeiro momento dependa de uma decisão individual submeter-se ou não à vacina, a imunização é considerada uma estratégia de saúde pública uma vez que nenhum direito individual pode sobrepor ao direito coletivo, sobretudo em um momento de pandemia.

Apesar do direito à liberdade estar previsto na Constituição, pode o Estado determinar que o interesse coletivo prevaleça sobre o individual sob a premissa de que a vacinação funciona como barreira contra a disseminação da doença e seja de interesse e direito da comunidade a vacinação de todos.

Assim como outros comportamentos individuais, como dirigir em velocidade não compatível ou sob uso de álcool e não uso de máscaras durante a pandemia são caracterizados como práticas nocivas à coletividade, a escolha de não se vacinar pode ser caracterizada como abuso do direito individual, uma vez que a imunização da sociedade só ocorrerá se feita em larga escala. Até porque não existe vacina que garanta 100% de efetividade.

Assim, é direito do idoso, do indivíduo com comorbidades com quem você convive, e até do condômino que entra no elevador com você, que você se vacine.

Apesar de pouco conhecido, para as outras viroses, a vacinação obrigatória já está estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas até 21 anos de idade), que prevê (parágrafo 1º do artigo 14) sanções aos pais que não completarem o calendário de vacinação. Estas variam de pagamento de 3 a 20 salários mínimos até seu extremo, que é a perda de guarda da criança, após uma ação judicial apurando responsabilidades.

Se deixar de vacinar os filhos mais uma vez, outra multa poderá ser aplicada no valor do dobro da primeira. A portaria nº 597, de 08 de abril de 2004 do Ministério da Saúde, estabelece que o calendário de vacinação incompleto prevê várias outras sanções como não se matricular em creches e instituições de ensino, efetuar o alistamento militar ou não receber benefícios sociais do governo.

Outras situações de obrigatoriedade para a vacinação (Portaria nº 1.986/2001 do Ministério da Saúde) aplicam-se a trabalhadores das áreas portuárias, aeroportuárias, de terminais e passagens de fronteiras.

No caso de crianças por exemplo, sobretudo as mais fragilizadas por comorbidades, não as vacinar por qualquer que seja o motivo, como crenças pessoais, crenças religiosas, preconceito sobre o país de origem da vacina, colocando-as em situação de vulnerabilidade, pode ser visto como ato de negligência e irresponsabilidade dos pais.

A ponto de que se uma criança morrer por uma doença por falta da vacinação, os pais ou responsáveis podem ser penalizados, nos termos do Código Penal, por homicídio culposo.

Lembremos que o Estado também pode ser responsabilizado se não garantir o acesso da população às vacinas obrigatórias.

Ainda no extremo do radicalismo estão os antivacinas convictos que acreditam e propagam que as vacinas são prejudiciais a saúde e podem interferir no DNA das pessoas. Segundo publicação da prestigiada revista Nature deste ano, este grupo tem 58 milhões de seguidores nas redes sociais.

Paradoxalmente, outro fraco argumento para a recusa em receber vacina neste momento, (como está ocorrendo nos EUA) é que com os números de mortes e contágios reduzindo, alguns tenham a distorcida sensação de que a pandemia está sob controle a ponto de acreditarem que não precisam mais se vacinar. Mais uma vez as vacinas são vítimas de seu próprio sucesso.

Os não vacinados terão vida normal?

Reações da sociedade e de governos no Brasil e no mundo começam a tomar forma no sentido de desencorajar a recusa da vacina.

"O objetivo é criar um ambiente difícil para aqueles que não querem se vacinar", afirmou recentemente Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro.

Já vigora em muitas cidades a exigência de um documento (físico ou digital) que comprove a aplicação das doses do imunizante para entrar em lugares de convivência com outras pessoas.

Possivelmente terão dificuldade de ter acesso a uma cirurgia eletiva, dificuldade no acesso ao programa de transferência de renda, acesso a companhias aéreas e a outros países.

Medidas como demissões, redução de salários e corte de benefícios a quem optar por não ser vacinado, num cenário em que o imunizante esteja à disposição de todos, estão sendo estudadas.

Radicalismo demais? De quem opta por não se imunizar ou da sociedade?

Segundo Fernando Pessoa, é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso.
Persistência é uma qualidade. Teimosia, não. Depois de 5 milhões de mortes no mundo, não há argumentos que justifiquem a recusa da vacina para o coronavírus.