Por que você deveria pensar duas vezes antes de querer se vingar de alguém
Aqui está um dos comportamentos mais primitivos exibidos pelo homem. E, vale dizer, não precisamos de muito esforço para encontrar relatos de vingança ao longo de toda a história da humanidade.
A Babilônia já tinha em seu código de Hamurabi (1770 a.C.), a máxima "olho por olho, dente por dente", para descrever a lei de talião (ou lei da "retaliação") como forma de "acerto de contas", enquanto a Grécia antiga nos deixou de herança várias tragédias, comédias e outras estórias que falam de injustiça e, em resposta, alguma forma de vingança para reparar o mal feito.
Na Idade Média, famílias feudais se envolviam em guerras sangrentas para "lavar a honra", entre outras justificativas para um ato vingativo. E vasculhando um pouco mais os escritos de filosofia, religião ou mesmo literários, vamos encontrar mais e mais narrativas relativas à vingança motivada por uma injustiça. Coisas de um passado distante, podemos pensar. O homem de hoje está mais amadurecido, mais evoluído e, portanto, mais civilizado. Este sentimento tão primário ficou para trás. Certo? Totalmente errado. E as estatísticas mostram.
De todos os homicídios registrados nos Estados Unidos na década passada, 2 em cada 10 tiveram essa motivação. Relatos adicionais mostram, inclusive, que o comportamento de "pagar na mesma moeda" não dá sinais de diminuição; muito pelo contrário, aumenta expressivamente no mundo moderno. (1) Enquanto isso, no Brasil, as estatísticas de 2012 revelaram que a vingança foi o principal motivo dos assassinatos no país. (2)
Vejamos o que diz o Dicionário Online de Português. O vocábulo é definido como "ação de se vingar, de causar dano físico, moral ou prejuízo a alguém para reparar uma ofensa, um dano ou uma afronta causada por essa pessoa". (3)
A ciência da vingança
Muitas vezes disfarçada de justiça, a vingança tem sido usada como forma de restabelecê-la, e como uma tentativa de reparar os danos causados por outras pessoas.
Para entender melhor esse fenômeno, um grupo de pesquisadores suíços quis saber o que acontece no cérebro quando alguém se vinga. Assim, eles examinaram esse órgão em pessoas que haviam sido intencionalmente injustiçadas durante um jogo de laboratório. O experimento dava ao participante prejudicado a chance de punir a outra pessoa e, durante um minuto, enquanto as vítimas conduziam sua vingança, sua atividade cerebral era registrada.
O resultado mostrou que a parte acionada nessas circunstâncias é o núcleo caudado, uma região do cérebro associada ao processo de recompensas. (4) Outra descoberta interessante deste estudo foi que, de fato, a vingança era bastante gratificante, pois trazia uma certa forma de alívio; no entanto, passado algum tempo, outro problema tomava lugar.
A ressaca do dia seguinte
Os suíços descobriram que o gesto vingativo deixava de ser satisfatório a médio prazo e, em vez de pacificar os sentimentos negativos, estendeu e perpetuou o desagrado gerado pela ofensa original. Ou seja: ao "fazermos justiça", reiniciamos um novo ciclo interno de retaliação. (5) Eu explico.
Segundo apontaram as pesquisas, dar vazão aos sentimentos de raiva e de indignação fez com que as velhas feridas fossem, na verdade, novamente abertas —desta vez por nós mesmos. Assim, o gesto inicial de desforra acarretou "o despertar" daqueles sentimentos novamente. Uma vez terminada a vingança, uma sensação de autopunição tomava lugar, muitas vezes acompanhada de novos sentimentos de ruminação. (6)
Pode parecer piegas ou coisa de autoajuda, mas é fato. Comprovado cientificamente. A raiva expressa através da desforra potencialmente evoca novos sentimentos pessoais de vergonha e culpa, criando um verdadeiro círculo vicioso de mal-estar.
O que fazer, então, para nos livrar desses sentimentos?
A primeira coisa a saber é que nossa autoestima realmente não precisa desse recurso externo para ser reparada. Nossa honra e reputação, antes de mais nada, partem de nós mesmos e não devem ser definidas apenas e tão somente pelos outros. Se, efetivamente, formos esperar que o mundo nos dê o devido valor, creio eu, ficamos em uma posição bastante desvantajosa.
Uma outra investigação demonstrou que indivíduos que escolheram não se vingar apresentavam uma maior satisfação com a vida, um humor mais positivo e menos sintomas psicossomáticos. (7)
Portanto, a revanche carrega um efeito paradoxal que, no início, traz alívio e satisfação e, no momento seguinte, suscita sentimentos mais acentuados e prolongados de aborrecimento. Em última instância, nós, como donos legítimos de nossas vidas, escolhemos como vamos nos posicionar diante das agressões. Se eu me coloco como vítima das situações, seguramente reagirei mal, mas se opto por olhar a situação por outro ponto de vista, mudando assim minha interpretação, me livro das emoções negativas com mais facilidade.
Saiba, então, que aquele que lhe trata mal apenas estende a você o mesmo ambiente psicológico que já habita em sua própria cabeça. É pura ignorância e imaturidade. Portanto, o problema é dele, e não seu. Somos apenas figurantes que cruzam, tangenciando, a vida dos outros. Pense nisso e use sua empatia para compreender melhor as adversidades que recebe dos demais. Quando não personalizamos as ofensas, abrimos uma real possibilidade de desconexão como forma de superação. Como já dizia Jean Paul Sartre: "Não importa o que fizeram a você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram a você".
Use, portanto, o conhecimento que a psicologia nos oferece para dar um novo contorno ao comportamento de vingança. E viva melhor.
Referências
1) https://edition.cnn.com/2017/06/02/us/who-commits-hate-crimes/index.html
2) http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/vinganca-e-a-principal-motivacao-de-assassinatos-no-pais-afirmam-especialistas-20120806.html
3) https://www.dicio.com.br/vinganca/
4) https://www.scienceofpeople.com/the-psychology-of-revenge/
5) http://www.people.virginia.edu/~tdw/carlsmith.wilson.gilbert.jpsp.2008.pdf
6) https://web.stanford.edu/~omidf/KarinaSchumann/KarinaSchumann_Home/Publications_files/Schumann.SPPC.2010.pdf
7) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18063835.
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