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Edmo Atique Gabriel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Endocardite bacteriana: quando uma infecção no dente afeta o coração

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

10/09/2022 04h00

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Sabe qual é a primeira medida preventiva para uma boa saúde cardiovascular? Alguns responderão que seria a prática regular de exercícios físicos. Outros diriam que seria evitar o consumo exagerado de doces, gorduras e frituras. Todas essas condutas citadas são importantes, mas existe algo primordial: nossa saúde bucal.

Mas qual a relação entre a saúde bucal e nossa saúde cardiovascular? O desfecho de uma infecção dentária com repercussão cardiovascular pode ser fatal. Uma infecção dentária e as recorrentes manipulações que são necessárias para tratamento do processo podem cursar com uma grave condição cardiovascular denominada endocardite bacteriana.

A endocardite significa que bactérias presentes numa infecção dentária são liberadas em nossa circulação sanguínea, alojando-se em algumas estruturas do coração, como membranas e válvulas cardíacas.

A endocardite das válvulas cardíacas promove corrosão e disfunção do tecido valvular. Na maioria dos casos, o indivíduo começa a apresentar febre, muito cansaço, palpitações e, no exame clínico, o cardiologista constata a presença de um sopro no coração.

Daí em diante, as coisas se tornam mais tenebrosas. O indivíduo vai ser internado, tomar medicamentos pelas veias, como antibióticos e medicamentos para controle da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. Em um razoável número de casos, o tratamento deverá ser complementado com uma cirurgia cardíaca de grande porte, que visa remover o foco infeccioso presente na válvula cardíaca. Muitas vezes, esta remoção de foco infeccioso consiste na substituição das válvulas por próteses, tendo em vista a considerável degeneração do tecido valvular.

Mas o que poderia ser feito para evitar esta catástrofe causada por uma infecção dentária? Seu cardiologista e seu dentista precisam estar alinhados quanto à necessidade de tomar antibióticos de forma profilática, principalmente em casos de abscessos, cáries e gengivites. Esse uso profilático de antibióticos significa que você vai tomar apenas alguns comprimidos, geralmente na véspera do procedimento dentário, no dia do procedimento e também algumas horas após o procedimento. E nada mais! Algo tão simples mas ainda tão subestimado.

Uma endocardite bacteriana pode se tornar letal não somente pela eventual destruição do tecido valvular, mas também pela rápida propagação da infecção, atingindo outros órgãos nobres. Em minha experiência profissional como cirurgião cardiovascular, já tive a oportunidade de vivenciar casos de endocardite bacteriana com disseminação para o cérebro, com formação de bolsas de pus. E tudo começou com uma proteção inadequada com antibióticos durante um procedimento dentário.

Seria, também, muito importante ressaltar que algumas pessoas nascem com uma das valvas cardíacas —no caso a valva conhecida como mitral— apresentando um formato diferente, tecnicamente chamado de prolapso. Nesta situação, a valva mitral possui uma mudança estrutural e também um certo abaulamento. Muitos estudos apontam uma associação do prolapso mitral com maior risco de endocardite bacteriana.

Apesar dessa forte relação entre infecções dentárias, muitas manipulações e endocardite bacteriana, não se deve negligenciar outras causas de infecção das valvas cardíacas, tais como procedimentos endoscópicos (uma endoscopia para análise do tudo digestivo, por exemplo) e o uso de drogas ilícitas por meio de injeção nas veias. Essas circunstâncias representam possíveis fontes de contaminação, propagação de bactérias até o coração e destruição do tecido das válvulas.

Em geral, quem pretende efetivamente se distanciar do risco de uma endocardite bacteriana, precisaria obrigatoriamente usar antibióticos de forma profilática em procedimentos dentários e endoscópicos, além de rever alguns hábitos de vida perigosos, como o uso de drogas injetáveis e o compartilhamento de agulhas e seringas.