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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A palavra “menor” não é sinônimo de criança ou adolescente

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

11/02/2022 04h00

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Menor de idade, menor perante a lei, menor abandonado, menor infrator, menor carente, "de menor". Você já deve ter visto em algum lugar, ou até mesmo dito alguns desses termos como sinônimo das palavras criança e adolescente, mas você sabe de onde vem a ideia de chamar as pessoas como maiores ou menores? E mais, sabe por que consideramos inadequado e pejorativo chamar crianças e adolescentes de "menor"?

Vamos nos abrir para essa reflexão e, a partir daí, pensar em algumas formas de abolir esse termo de nosso vocabulário?

A expressão "menor de idade" está relacionada ao Código de Menores de 1927, que foi criado para pensar especificamente formas de lidar com crianças e adolescentes que viviam em "situação irregular", ou seja, esse código foi pensado para tratar da população infantojuvenil que vivia alguma vulnerabilidade social —muitas vezes por negligência do Estado na garantia do básico para se viver— e que seriam objetos de intervenção do próprio Estado.

Dessa forma, havia uma separação entre quem era criança, quem era adolescente e quem era menor. Um grupo de teatro chamado Núcleo Pele apresentou um espetáculo chamado Pancadão: O Baile Segue? no ano de 2019, no qual a atriz Eduarda Alves tinha a seguinte fala: "Menor não é qualquer menina ou menino, menor é menina e menino pobre".

O termo menor, embora não seja dito com essa intenção por parte da população, tem conotação pejorativa por seu histórico de separação e inferiorização da existência de crianças e adolescentes pobres. Raramente o termo é usado para mencionar crianças ou adolescentes de classes sociais média e alta. O próprio dicionário já apresenta a palavra menor como sinônimo de inferioridade, menos importante e hierarquicamente inferior.

A Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) nasce com a ideia de ser um espaço de educação e profissionalização de "menores", contudo, na prática, era um espaço que tinha uma lógica punitivista e violenta com quem estava em internação. Um filme interessante que aborda a forma como crianças e adolescentes pobres, em sua maioria negros, eram tratados na Febem é "O Contador de Histórias", que retrata a vida do pedagogo mineiro Roberto Carlos da Silva, que foi internado na fundação nos anos 1970 e também denuncia as condições nas quais crianças e adolescentes viviam naquele local.

Desde 1990, com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ninguém mais deve ser chamado de "menor", afinal a logica que o Brasil vive —ou deveria viver— é a de tratar pessoas com menos de 18 anos na perspectiva da garantia de direito e deveres (afinal, todo direito carrega consigo um dever).

Ao usar o termo "menor", estamos, ainda que de forma não intencional, tratando as infâncias e adolescências pobres como menos importantes que as demais.

Então que termo devo usar agora?

Trouxe aqui alguns exemplos de substituições que são mais adequadas e podemos incorporar ao nosso vocabulário:

  • Em vez de dizer "proibido vender bebida a menores", diga "proibido vender bebidas a crianças e adolescentes".
  • Em vez de dizer "ele é menor", diga "ele é criança (se tiver menos de 12 anos) ou ele é adolescente (se tiver entre 12 e 17 anos)".
  • Em vez de dizer "menor infrator", diga "adolescente em conflito com a lei".
  • Em vez de dizer "menor carente", diga "criança ou adolescente em situação de vulnerabilidade social".

Pode parecer um detalhe, mas substituir a palavra menor por criança ou adolescente faz com que mudemos nossa perspectiva e contribuamos para que crianças e adolescentes recebam o olhar e tratamento de sujeitos de direitos.