Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É possível existir amizade entre pessoas adultas e adolescentes?
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Vou começar essa reflexão explicando o que estou considerando como amizade neste texto.
A amizade é uma forma de relação que pressupõe troca de afetos, partilha mútua de experiência e, minimamente, igualdade no tratamento dado e recebido entre duas ou mais pessoas. Numa amizade saudável pressupomos que não há uma relação de poder estabelecida de um corpo sobre o outro. Sendo assim, a amizade seria um espaço seguro e de confiança de ambos os lados.
Dito isso, preciso recordar um texto que escrevi para essa coluna em 2020 chamado "A vida na terra do adultocentrismo", que contava a história de um reino nada distante onde pessoas adultas tinham suas vozes mais respeitadas e validadas, se comparadas à existência de crianças e adolescentes. Essa terra nada distante é a nossa sociedade que, historicamente e geograficamente, tem priorizado o desejo adulto em detrimento das necessidades infantojuvenis.
A história do Brasil foi se construindo por meio do uso de corpos de crianças e adolescentes, e deixo como sugestão de leitura o livro "História das Crianças no Brasil", de Mary Del Priore. A geografia do país também prioriza a facilitação do trânsito e conforto de pessoas adultas, para comprovar essa afirmação basta você se perguntar: as ruas são espaços saudáveis para crianças?
Então, sabendo que vivemos numa sociedade que valoriza e prioriza corpos adultos e compreendendo que uma amizade pressupõe igualdade de poder e partilha mútua de experiência e vivências, como uma pessoa adulta poderia ser amiga de adolescentes? Essa amizade seria saudável?
Preciso frisar aqui que adolescentes e jovens podem tecer vínculos de amizade porque têm vivência e experiências aproximadas, então uma adolescente de 15 anos e uma jovem de 19 anos podem ser amigas, sim.
Estou falando de pessoas que têm uma expressiva distância etária, como uma pessoa adulta de 29 e uma adolescente de 15.
Como psicóloga e educadora em sexualidade infantojuvenil, passo a maior parte dos meus dias em contato com adolescentes e tenho muito afeto pelas partilhas que esse público confia a mim, mas não temos vínculo de amizade. Também não sou amiga das adolescentes de meu bairro que me procuram para confidenciar sobre suas dores de amor, seus medos e angustias. Não sou amiga de adolescentes pelo simples fato de que eu não desabafo com adolescentes sobre minhas questões, não há troca em nossa relação.
Talvez você esteja pensando: "Até aí eu concordo, uma psicóloga não deve ser amiga de pacientes, mas é diferente comigo, sou amiga de minhas filhas, meus sobrinhos, minhas alunas".
E eu posso te responder: você, pessoa adulta, não é amiga dessas pessoas, você é uma pessoa adulta de confiança, mas não é amizade o nome disso.
Ser uma pessoa adulta que tem afeto respeitoso e protetor com adolescentes não é sinônimo de amizade, mas de respeito e proteção. Você é só uma pessoa de confiança.
Você não deixará de ser importante para adolescentes se passar a chamar esse vínculo por outro nome que seja mais realista e mais verdadeiro.
Amizade entre professoras(es) e adolescentes, por exemplo, é extremamente prejudicial para adolescentes e por isso não é amizade. Porque numa relação de amizade as duas partes compartilham de momentos de vida parecidos e têm, minimamente, as mesmas informações umas das outras.
Como poderia uma professora ser amiga de seus alunos se ela sabe endereço, histórico escolar e tem poder de aprovar ou reprovar "seus amigos" em alguma matéria? No caso da educação, qual poder adolescentes teriam na "relação de amizade" com professores?
Reflitamos se há algo de saudável em uma pessoa de 35 anos desabafar sobre dificuldades em seu casamento com uma menina de 13?
Recordo do caso de um adolescente de 14 anos que teve uma intensa crise porque sua "amiga" adulta estava se divorciando do marido e ele se sentia impotente porque queria ajudar, mas não sabia como. O menino não conseguia respirar e foi levado ao pronto-socorro que constatou ser uma crise de ansiedade.
Não proponho que deixemos de escutar, acolher ou ser afetuosas com adolescentes, mas proponho que cessemos com a ideia de chamar esses vínculos pelo nome de amizade.
Amizade saudável pressupõe troca de experiência e confiança em pé de igualdade. Pessoas adultas não estão em pé de igualdade com adolescentes.
Ter uma relação de respeito e proteção com adolescentes não é amizade, mas nem por isso deixa de ser importante.
Pessoas adultas e adolescentes têm vínculo de proteção, e a obrigação de toda pessoa adulta é essa mesmo: proteger crianças e adolescentes.
Por fim, deixo uma pergunta: por que uma pessoa adulta reivindicaria com tanta veemência o "direito" de ser amiga de uma pessoa adolescente?
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