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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Romper o ciclo da ausência paterna: meninos brincam de paternidade presente

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

16/09/2022 04h00

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Pedro tem nove anos e passa horas brincando com sua filha-boneca, a Jade. Ele a leva para a escola, se reúne com as professoras imaginárias e familiares dos amiguinhos de Jade.

José tem quatro anos, olha para o céu e sonha em ser pai de uma coruja que sobrevoa sua casa todos os dias a partir das 18 horas. "Olha lá minha filhinha-coruja, mamãe."

Luan e seus sete amigos, todos com idade entre nove e dez anos, brincam de churrasco com massa de modelar. Enquanto alguns preparam o almoço, os outros se dedicam a trocar as fraldas de suas bonecas-bebês e as alimentam antes de se servir.

Jorginho diz que não quer ter filhos, mas sonha em ser um tio presente na criação dos sobrinhos. Ele constrói brincadeiras e viagens de carro com a família toda. Leva as bonecas para a praia, passa protetor solar e constrói castelos de areia com as sobrinhas.

Os nomes apresentados aqui são fictícios, mas são histórias reais, todas ocorridas em 2022, com meninos-crianças* que brincam livremente e constroem exemplos de paternidade presente num país em que a ausência paterna é parte do cotidiano de várias pessoas.

De acordo com dados do Portal da Transparência de Registro Civil do Brasil, só no primeiro semestre do ano de 2022, mais de 100 mil registros de nascimentos não possuem o nome do pai.

Poderia ter optado por escrever um texto que focasse nas desculpas criadas por homens para se ausentarem da responsabilidade de garantir presença afetiva aos seus próprios filhos. Poderia também me dedicar a explicar que a ausência paterna não é fruto das "escolhas mal feitas de uma mulher" —afinal, muitas pessoas adultas ainda atribuem a ausência paterna como sendo responsabilidade da mãe que "não soube escolher bem o pai da criança", como se os homens trouxessem consigo uma inscrição no peito "serei um pai presente".

Poderia gastar energia intelectual nesse lugar, mas prefiro me dedicar a apresentação dos resultados de um processo educativo bem feito pelas maternidades solo (e algumas paternidades) presentes na vida de meninos com idade entre zero e 11 anos.

As brincadeiras de Pedro, José, Luan, Jorginho e de seus tantos outros amigos são parte do resultado de uma criação que faz com que os meninos desejem ser presentes na vida de crianças como figura de cuidado e proteção.

Brincar com as bonecas é aprender a importância de ser presente e protetor na vida dos filhos, sobrinhos, vizinhos pequenos.

As professoras na escola, as mães em casa, avós e tias ensinam cotidianamente os meninos a importância da presença e, inspirados no feminino, os meninos constroem uma outra ideia de presença masculina, presença paterna.

A revolução que esses meninos estão criando é fruto da luta de mulheres.

Aos homens adultos que me leem agora fica uma proposta de início de prosa: Que tipo de presença você tem exercido e como ela pode inspirar a criação de paternidades presentes?

*Muitos dos meninos citados nesse texto têm como referência de cuidado a figura feminina (seja a avó, a mãe, a tia, a educadora do serviço de acolhimento ou a professora) e verbalizam o quanto aprendem com essas mulheres a importância do cuidado e da presença diária.