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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Adultos e a erotização de meninas adolescentes

Em entrevista a podcast, Bolsonaro diz que "pintou um clima" entre ele e adolescentes venezuelanas - Reprodução
Em entrevista a podcast, Bolsonaro diz que "pintou um clima" entre ele e adolescentes venezuelanas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/10/2022 04h00

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"Parei a moto, tirei o capacete e olhei umas menininhas bonitas, de 14 e 15 anos, arrumadinhas no sábado, numa comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei: 'Posso entrar na tua casa?' e entrei, tinha umas 15 ou 20 meninas, sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: 'Meninas bonitinhas de 14 e 15 anos se arrumando no sábado pra quê?'. Ganhar a vida. Você quer isso pra tua filha?"

"Você quer isso para sua filha?"

Essa foi a frase final dita pelo atual presidente, Jair Bolsonaro, sobre meninas venezuelanas que ele conheceu em um de seus passeios de moto no Distrito Federal.

Eu sou psicóloga e trabalho com adolescentes há muitos anos, dialogando sobre o respeito que toda a sociedade deve ter com seu desenvolvimento integral saudável. E não houve uma só atividade em que pelo menos uma menina não tenha mencionado a figura dos "velhos safados" que "mexem" com elas quando estão passando na rua.

Veja bem, não estamos falando de meninos da mesma idade delas que as erotizam quando passam na rua. Estamos falando de homens idosos, com mais de 60 anos que, diante de meninas bonitinhas e arrumadinhas, sentem-se no direito de pressupor um clima que pintou.

A primeira vez que um idoso falou de meu corpo, eu tinha 10 anos. Ele disse que eu era uma menina muito bonita e que era uma pena eu ter nascido tão tarde, porque se eu fosse mais velha ele iria me namorar.

Esse idoso disse isso desse jeito, sem preocupação alguma com os danos que aquela frase poderia gerar em meu olhar sobre mim mesma. Disse com a tranquilidade e certeza da impunidade.

Eu, dentro da fragilidade de uma década de vida, só respondi: "Sai, véio". E corri.

O tempo passou, tornei-me a profissional que sou e desde então me dedico a construir com adolescentes reflexões sobre a importância de ter seus direitos preservados e denunciar, caso não os tenham.

São 12 anos de trabalho.

Doze anos ouvindo meninas dizendo que mudaram suas roupas para não sofrer assédio. Doze anos ouvindo meninas contando que pararam de se arrumar no sábado para não ser violentada pelas palavras obscenas de idosos de seus bairros.

E agora eu retorno à frase de Bolsonaro: "Você quer isso para sua filha?".

Você quer que ela cresça numa sociedade com pessoas que buscam mil justificativas para defender um idoso que, ao ver meninas de 14 e 15 anos, cogita a possibilidade de ter pintado um clima?

Você quer que sua filha cresça num país em que meninas não possam se arrumar no sábado, durante a festa de uma instituição que elas gostam de frequentar?

Você quer que sua filha precise mudar suas roupas porque homens não sabem respeitá-las?

Eu duvido que você queira.