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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O amor é complexo e é mesmo importante: enamoramentos na adolescência

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

28/10/2022 04h00

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Quando eu estava no mestrado, em 2018, estudei sobre afetividade de meninas adolescentes negras, mais especificamente moradoras do Grajaú (extremo sul da cidade de São Paulo).

Entrevistei meninas com idade entre 13 e 17 anos, com o objetivo de compreender como racismo atravessava suas primeiras vivências de apaixonamento.

Naquele momento, eu observei questões muito importantes sobre o tema, contudo percebo que a ansiedade gerada pelos prazos acadêmicos e pela saudade da minha família contribuíram para que eu analisasse aqueles dados de forma rápida demais, e algumas reflexões me escaparam.

Só agora, quatro anos depois, olho para minha dissertação e minha história de vida e percebo alguns pontos que não reparei na época. Então, às vezes eu acho que minha dissertação ainda está viva na estante, pedindo revisitações.

Como eu fui uma menina adolescente negra de quebrada entre os anos 1990 e início dos anos 2000, algumas de minhas vivências afetivas se pareciam muito com as histórias daquelas meninas que entrevistei.

Lembro que depois de cada entrevista eu chorava muito, porque recordava momentos em que fui ora preterida (por adolescentes da minha idade), ora hipererotizada (por homens adultos de meu bairro). Eu, assim como algumas das meninas que entrevistei, aprendi que ser amada era algo relacionado à sorte ou ao sexo.

Então eu achava que havia duas possibilidades: ou eu teria sorte de algum menino da minha idade me querer ou eu deveria oferecer sexo a homens adultos para receber amor. E nada mais além disso.

"Mas e as meninas? Você não é uma pessoa LGBT? Como você se aproximava das meninas?"

Eram os anos 1990, né? Então eu só reprimia essa parte da minha afetividade. E sendo os anos 1990, eu também era bombardeada por comerciais, novelas, revistas e filmes que me diziam que a coisa mais importante da vida de uma menina era o amor romântico.

Ah, como eu queria ser amada!

Eu criava historinhas na minha cabeça, inventava namorados, fingia que íamos para a escola juntos e o tal menino carregava meu material como os namorados das outras meninas que estudavam comigo.

E ainda pensando nos anos 1990, ser uma menina negra de quebrada era viver, cotidianamente, sob a manutenção da ideia de que eu era feia e que ninguém iria me querer. Uma vez, aos 13 anos, um menino branco me bateu com uma vara porque eu estava de short e, segundo ele, minhas pernas eram tão feias que não deveriam ficar a mostra.

Agora, pense...

Época de shortinho do tchan, closes profundos da câmera nas nádegas da Carla Perez, banheira do Gugu com modelos brancas, coxudas e seminuas. Homens excitados na TV, tudo isso em pleno almoço de domingo.

O que nós, crianças e adolescentes negras da época, aprendemos com isso?

Que os corpos desejáveis é que são amáveis e que esses corpos não se pareciam com os nossos.

Então, para mim, sendo o amor uma raridade, era preciso estar atenta a qualquer sinal de afeto. Eu vivia como se fosse uma caçadora de afetos, vigilante e focada na busca desse personagem folclórico, nessa lenda urbana chamada amor.

Pagodeira que era, eu cantava "o amor me pegou assim, conduzindo meu coração...", mas sabia que o amor não me pegaria.

Comecei a estudar sobre o amor como forma de tentar entender qual a força que esse sentimento-ação exerce sobre a subjetividade humana, sobretudo de meninas negras de periferias. Tenho estudado sobre o amor enquanto um aspecto importante da sexualidade porque acredito que o modo como o amor nos é apresentado, por vezes, é violento, limitante e excludente.

O amor, como nos recorda bell hooks, só existe com justiça.

Então, essa coisa de falar de amor, de pesquisar sobre ele, talvez seja um caminho possível para alcançar a garantia de existência plena de todas as pessoas.