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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sexualidade infantojuvenil nos anos 1990: no nosso tempo era mesmo melhor?

Brooke Shields e Christopher Atkins em cena de "A Lagoa Azul" - Divulgação
Brooke Shields e Christopher Atkins em cena de "A Lagoa Azul" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

04/11/2022 04h00

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Embora o nascimento do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) tenha ocorrido no início dos anos 1990, como um marco legal fundamental para a mudança de perspectiva do olhar e tratamento dado à população infantojuvenil, levou-se um tempo para que a população brasileira mudasse sua forma de lidar com as infâncias, considerando a fase peculiar de desenvolvimento de pessoas com menos de 18 anos.

Mesmo após 32 anos, o ECA ainda é um documento que desafia pessoas adultas na mudança de comportamento coletivo em prol da garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Durante as atividades de educação em sexualidade infantojuvenil, busco dedicar um tempo ao diálogo com familiares e pessoas adultas responsáveis por meninas e meninos. São momentos de sensibilização para a importância de falarmos sobre o desenvolvimento humano e sexualidade. Nesses encontros, busco mostrar que é recente o empenho de nossa sociedade em olhar para as infâncias e adolescências como merecedoras de cuidado.

Para exemplificar o desrespeito de nossa sociedade ao desenvolvimento sexual saudável infantojuvenil, uso as programações disponibilizadas em horários matutinos e vespertinos ao longo dos anos 1990 e pergunto às pessoas adultas como elas lidavam com esses conteúdos na época.

A seguir, elenquei alguns quadros televisivos inadequados para o desenvolvimento sexual de uma criança e adolescente:

- Banheira do Gugu: fazia parte da programação de domingo à tarde no SBT e consistia num jogo em que uma mulher com biquíni minúsculo tentava impedir um homem de sunga de pegar sabonetes da banheira. Por vezes, os homens tinham ereção diante das câmeras e os seios das mulheres ficavam a mostra, acidentalmente.

- Tiazinha e Feiticeira: duas personagens de um programa apresentando por Luciano Hulk na Band, no período da tarde. Ambas com biquínis pequenos e closes das câmeras em suas regiões genitais, entretinham a plateia com danças sensuais. Tiazinha depilava com cera quente os jovens que erram as perguntas do apresentador.

- Gata molhada: um quadro do Domingo Legal no qual uma jovem com camiseta branca transparente tomava banho enquanto as atrações musicais se apresentavam. Seus mamilos ficavam à mostra debaixo da blusa.

- Visita de Van Damme ao Brasil: num domingo à tarde, o programa Domingo Legal apresentou um quadro no dia em que o ator Jean-Claude Van Damme visitou o Brasil. Durante a dança com a cantora Gretchen, o ator teve uma ereção ao vivo enquanto Gugu, apresentador do programa, apontava para sua genitália sorrindo.

- Propaganda da revista Playboy: também apresentada no período da tarde, durante o programa Domingo Legal. As atrizes, modelos e dançarinas que posavam para a revista podiam aparecer para divulgar seu trabalho, além de mostrar o making-of das sessões de fotos.

- A Lagoa Azul: filme que era transmitido pela Rede Globo na Sessão da Tarde e que contava a história de duas crianças que, após um naufrágio, vivem sozinhas numa ilha. O filme contava com cenas de sexo em horário vespertino.

Todos esses exemplos dados nesse texto mostram o quanto o absurdo da exposição do corpo e de conteúdo sexual era naturalizado na televisão brasileira nessa época e, por vezes, assistidos em família durante um almoço de domingo.

Sabemos que atualmente a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos sexuais ainda continua, mas avançamos na compreensão de que isso prejudica o desenvolvimento sexual saudável.

É preciso seguir avançando na garantia de direitos, e uma forma de fazermos isso é criando espaços respeitosos que dialoguem sobre corpo e sexualidade com linguagem adequada e respeito ao momento do desenvolvimento em que cada pessoa se encontra.