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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Silêncio e silenciamento: aquietar-se é escolha ou imposição?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/12/2022 04h00

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Quando criança você já escutou alguma dessas frases?

"Engole esse choro"

"Criança não tem querer"

"Se eu for aí, vou te dar motivos para chorar de verdade"

"Cala a boca que eu tô falando"

"Você vai calar a boca ou eu vou ter que ir aí calar?"

Durante o primeiro ano de pandemia da covid-19, realizei atividades online de promoção à saúde com mulheres periféricas da cidade de São Paulo. O objetivo desses encontros era construir espaços de escuta e reflexão sobre saúde mental no contexto de isolamento social, e também refletir sobre raça, gênero, classe e outras interseccionalidades.

Um dos encontros mais interessantes era o "Silêncio e silenciamento: contribuições de Audre Lorde para soltar a voz". Nessa atividade falávamos sobre a diferença entre ficar em silêncio e silenciamento, em seguida as pessoas eram convidadas a escrever em um mural virtual frases de silenciamento que ouviram durante a infância.

Muitas das participantes escreviam no mural as frases que coloquei no início desse texto. Todas tinham em comum uma infância vivenciada no período anterior à promulgação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ou seja, nasceram antes do ano de 1990. Quando eu realizava essa mesma atividade com mulheres ou meninas nascidas após o ECA, era perceptível a diferença de tratamento que receberam na infância.

Embora o silenciamento das infâncias e adolescências ainda esteja presente em nossa sociedade, antes do ECA esse processo era validado explicitamente por uma lei chamada de Código de Menores, que tinha um tom punitivista de pensar o modo como crianças e adolescentes pobres, majoritariamente negras, receberiam cuidados no Brasil.

Nas atividades que realizei com meninas e mulheres, pude explicar que o silêncio é uma escolha de aquietar-se para cuidar de si e refletir, descansar.

O silêncio é importante para o autocuidado, pois ele está relacionado, a meu ver, à diminuição de estímulos externos (não só sonoros) para conseguir acessar questões internas. É no silêncio que gostamos de dormir.

Já o silenciamento não é uma escolha, é uma imposição da ausência de expressão. É ordenar que um corpo se cale, que não se expresse e que "engula" o que pensa, sente e deseja.

Uma prática de ioga, por exemplo, é silêncio.

Dizer "cale a boca" é silenciamento.

Quando se é criança, são muitos os momentos em que nós, pessoas adultas, promovemos silenciamento.

A proposta que trago hoje é que pensemos quais espaços de silêncio enquanto escolha temos proporcionado ou incentivado às crianças?

Se você, assim como eu, acha difícil criar momentos de silêncio saudável (e não de silenciamento) com crianças, sugiro a leitura do livro "Quietinho Feito Um Sapo: Exercícios de Meditação Para Crianças (e Seus Pais)", que traz práticas de meditação muito sensíveis e possíveis para se viver.

Se você meditar com crianças em casa, me conta depois como foi?