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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Temos nos preparado para acolher adolescentes?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

27/01/2023 04h00

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Em 2009, no momento em que descobriu que estava grávida, Luiza não pensou duas vezes. Pegou o telefone e tratou de contar a novidade para toda a família. Ela e Pedro já estavam tentando engravidar fazia mais de dois anos. Felicidade geral!

Ainda no início da gestação, parentes de vínculo materno e paterno compraram roupinhas e brinquedos. Primeiro neto e primeiro sobrinho das duas famílias.

Luiza e Pedro estavam realmente empolgados. Perceberam que não sabiam nada sobre bebês e a primeira infância, então compraram livros, matricularam-se em cursos e ouviam atentamente amigas e amigos que já haviam passado por gestações anteriores. Além disso compraram móveis para o bebê, pintaram o quarto, compraram ursinhos, móbiles e chupetas.

Em dezembro de 2009 nasce o pequeno Davi, uma criança muito desejada e muito querida. Nos primeiros meses, Davi chorava muito à noite. O casal aprendeu técnicas de massagem para aliviar as cólicas do pequeno. As trocas de fraldas estavam cada vez mais rápidas, papai e mamãe estavam craques na arte de cuidar daquele bebê.

Luiza e Pedro sabiam todas as músicas do Cocoricó, Palavra Cantada. Assistiram a todos os desenhos animados da Disney e conheciam a programação da Nickelodeon de cabo a rabo. Tornaram-se especialistas em preparo de alimentos saudáveis e estudaram sobre comunicação não violenta para tecer diálogos difíceis com o pequeno Davi.

As avós foram muito incentivadas por Luiza e Pedro a aprender também sobre desenvolvimento infantil. Aprenderam que comer doces não é tão legal para Davi e compreenderam que beijos e abraços em demasia eram invasivos para a criança.

Davi teve uma infância linda e acolhedora.

Em meados de 2019, aos 10 anos de idade, Davi anunciou que a partir daquele dia gostaria de escolher suas próprias roupas. Disse que gostava de cores vibrantes e passou a usar roupas fluorescentes.

O menino tinha um boné que não tirava por nada no mundo. Pedro chegou a sugerir que ele tivesse outro boné igual para revezar na higienização. Davi se irritava com a intromissão do pai e se fechava no quarto.

O menino passou a ser respondão. Reclamava da qualidade da comida e se recusava a frequentar espaços públicos com os pais.

Em 2020, durante a pandemia, Davi se isolou mais ainda em seu quarto. Não queria conversar com os pais e ouvia música num volume muito alto. Em seu aniversário de 12 anos, Davi não quis festa. Desejava ir com os amigos da escola e do bairro jogar paintball, mas os pais, temendo a onda de covid-19 que ainda estava intensa, negaram. Davi se zangou e a partir daí a relação familiar ficou extremamente frágil.

Os pais me acionaram em 2022, pedindo orientações de como lidar com o menino que estava dando seus primeiros sinais de entrada na adolescência. Contaram a história que relatei acima.

Eu valorizei o percurso feito para receber Davi durante a gestação e sua infância, mas perguntei qual foi a preparação que tiveram para acolher a adolescência do filho.
"Não houve nada até o momento. Estamos buscando agora", disse a mãe.

Obviamente os pais de Davi o amam e querem que ele se sinta acolhido em casa e que seja menos hostil na convivência, mas é importante compreendermos que existe um ônus quando as pessoas adultas não se organizam previamente para acolher filhos adolescentes como fazem com os bebês.

É preciso começar a pensar na adolescência enquanto os filhos ainda estão na infância. Ninguém começa a pensar nos cuidados do bebê só depois que ele nasce, essa preocupação vem durante a gestação ou processo de adoção.

A adolescência começa a ser acolhida no momento em que nós, pessoas adultas, mostramo-nos abertas a pesquisar sobre ela e dedicamos energia e tempo para construir caminhos para que as crianças já percebam nossas atitudes de cuidado.

Já ter passado pela adolescência não traz elementos suficientes para lidar com adolescentes agora. São outros tempos e outras pessoas, então, se puder, comece a estudar sobre adolescência enquanto sua criança ainda não chegou nela. Isso não vai prevenir atritos, dificuldades de diálogo, mas tornará o processo mais saudável para as pessoas adultas e, principalmente, para adolescentes.