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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Seu filho já acessou conteúdo misógino: não é uma pergunta, é uma certeza

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

10/03/2023 04h00

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Vamos começar devagar: o que é misoginia?

  • A misoginia é, basicamente, o ódio a tudo que remeta às mulheres e ao universo feminino.

Quando falamos que vivemos numa sociedade misógina, estamos dizendo que o ódio às meninas e mulheres é algo naturalizado e, por ser tratado como "natural", na maioria das vezes sequer percebemos sua presença nas miudezas das relações.

Para entendermos a misoginia, precisamos ampliar nosso conceito do que seria ódio.

O ódio não é algo que se expressa apenas em xingamentos ou agressões físicas —ele também se expressa assim, mas não só.

O ódio, assim como o amor, é algo muito complexo de analisar e por isso não podemos tratá-lo como algo simples. Desde criança, aprendemos que odiar é tratar mal alguém e querer coisas ruins para ela, mas isso é só a superfície do ódio.

Quando alguém diz: "Esse cara dirige igual a uma mulherzinha", querendo com isso dizer que o homem não é bom no volante, estamos diante de uma expressão de ódio ao feminino, pois estamos explicitando uma crença preconceituosa de que mulheres dirigem mal.

"Ah, mas eu conheço mulheres que dirigem mal."

Eu acredito em você, mas eu também conheço homens que dirigem mal, contudo a ofensa só se dá quando comparamos o mau condutor a uma mulher. Entende essa diferença?

Você já percebeu que quando alguém quer diminuir a existência de um homem tenta compará-lo à uma mulher e quando quer exaltá-lo, o compara a algum elemento da masculinidade?

  • "Fulano joga igual uma mulher" (para referir que o homem joga mal)
  • "Aquela mulher joga que nem homem" (para referir que joga bem)

Essa é a misoginia e é ela que sustenta o machismo. Ou seja, o ódio ao feminino é o alimento da postura machista.

Para derrubar o machismo, precisamos aprender a respeitar e valorizar as mulheres em todos os espaços.

Eu trabalhei numa organização em que o diretor dizia: "A sua sala nem parece que tem mulher, está uma bagunça". Aqui também temos um exemplo de misoginia (ódio ao feminino). Porque, ainda que tenham homens naquela equipe, o chefe direcionou uma cobrança de organização somente às mulheres, enfatizando que se um ambiente tem mulheres, cabe a elas o dever de organizar as coisas.

E, sim, existem mulheres desorganizadas em seu ambiente de trabalho e mulheres organizadas também. Isso porque mulheres, assim como homens, são diversas.

O caso é que esse diretor acreditava que ser mulher era algo estanque e que a limpeza e organização eram aspectos femininos.

Reparou como é sutil e complexo pensar o ódio ao feminino?

Considerando que a misoginia está presente em todos os espaços de nossa sociedade (públicos e privados), é impossível que seu filho nunca tenha entrado em contato com nenhum conteúdo de ódio ao feminino.

Seja em casa vendo algum programa que reforça estereótipos, seja num almoço de domingo na casa de parentes com posicionamento machista, seja na escola, seja comunidade, seja casa de colegas.

Seu filho já acessou conteúdo que expressa ódio ao feminino. E isso não é uma pergunta, é uma certeza.

"Poxa, Elânia, mas como afastá-lo dessas informações?"

Aí que está!

Não tem como impedir que seu filho escute algum comentário misógino ou presencie uma cena de desrespeito ao universo feminino, mas é possível que você o ajude a identificar esses momentos de misoginia e explicar a ele o quanto aquilo fragiliza a existência de todo mundo (sim, eu disse todo mundo).

Meninos cisgênero, quando comparados a meninas, na maioria das vezes, trata-se de uma tentativa de inferiorização.

"Pedro, você só reclama, parece uma menina."

Isso é uma fala misógina e cabe a Pedro, com o apoio de pessoas adultas, identificar essa questão e compreender que, independentemente do gênero, pessoas reclamam.

Ao ensinar crianças e adolescentes a identificar falas misóginas, conseguiremos avançar bastante na defesa de todas as pessoas e parar de alimentar o machismo.

Vamos seguir em diálogo?