Topo

Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Precisamos parar de odiar adolescentes e começar a acolher suas urgências

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

31/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não pode haver amor sem justiça bell hooks

Há alguns anos, eu escrevi um texto chamado "A Vida na Terra do Adultocentrismo". Na época, algumas pessoas me escreveram comentários duros sobre a reflexão que eu propunha. As pessoas mais tranquilas diziam que eu estava propondo que crianças e adolescentes mandassem em seus pais. Havia pessoas um pouco mais empenhadas em me atacar, essas iam até o perfil no Instagram de meu trabalho e me xingavam ou diziam que eu certamente não sabia o que era ser mãe ou pai de crianças, então não deveria opinar sobre o modo como as infâncias são tratadas socialmente.

O caso é que o texto se tratava de um convite à reflexão sobre o modo como nossa sociedade está estruturada. Era um questionamento —que também faço a mim mesma— sobre o modo excludente que organizamos a sociedade para tornar a existência adulta mais confortável em detrimento do bem-estar de crianças.

Na época, eu falava apenas das infâncias, mas hoje proponho uma reflexão sobre o modo como tratamos as adolescências e os desdobramentos dessa relação estabelecida entre pessoas adultas e adolescentes.

Nós, pessoas adultas, aprendemos desde a nossa própria adolescência a tratar essa fase da vida de forma muito estigmatizada. Aprendemos que é nessa fase da vida que se usa vestimentas esquisitas, que se anda em bando e retratamos os sofrimentos adolescentes de forma muito estereotipada.

Nós, pessoas adultas, temos certa resistência em acolher as adolescências porque, entre outras coisas, elas nos convocam a pensar que estamos envelhecendo e que "amadurecemos", mas não gozamos do "frescor" da juventude para aproveitar nosso amadurecimento com toda a potência.

Em alguma medida parece que invejamos adolescentes por sua vitalidade, mas os menosprezamos por não saberem aproveitá-la, ou melhor, por não aproveitarem do jeito que nós acreditamos ser certo.

Ouço relatos de muitas pessoas adultas que apresentam um certo alivio por terem sobrevivido à adolescência, mas por outro assumem que gostariam de revive-la, mas "com a cabeça de agora". Contudo, não é saudável que adolescentes tenham "cabeça de pessoa adulta", isso porque essa é uma fase da vida de muitas mudanças e confusões de sentimentos. É a fase em que adolescentes precisam experimentar sentimentos e questionar algumas estruturas de nossa sociedade.

Adolescentes com "cabeça de adulto", na verdade, são pessoas que precisaram acelerar processos de vida e, consequentemente, tiveram que pular fases.

Você só tem a cabeça que tem hoje porque viveu a adolescência sendo adolescente.

Vivemos numa sociedade que assume não gostar da adolescência e de adolescentes. Uma sociedade que chama de "aborrescência" um momento delicado de extrema fragilidade.

Não é fácil lidar com os desafios da adolescência, tanto para quem a vive na própria pele quanto para quem acompanha esse processo na parentalidade. Mas ele se torna mais difícil ainda se adolescentes não sentem acolhimento de suas dores e validação de sua existência.

Não temos uma fórmula mágica para tornar essa fase mais tranquila, mas temos pistas de como contribuir para que ela não seja destruidora. Temos bell hooks nos ensinando que é preciso promover espaços de justiça com crianças e adolescentes e não há nada mais justo do que valorizar e escutar alguém.

Precisamos escutar adolescentes, nos propor a entender suas demandas, acolhê-las e também dizer como nos sentimos nesse percurso.

Podemos assumir para adolescentes que temos dificuldades em lidar com algumas demandas que a convivência traz, mas em seguida precisamos dizer que não vamos desistir desse laço, que seguiremos apostando no vínculo e no amor.

Nós precisamos parar de odiar adolescentes e começar a acolher suas urgências