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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Qual o contrário de inocente? Refletindo infância no Brasil

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

12/05/2023 04h00

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Tenho pensado bastante sobre o imaginário de pessoas adultas no que diz respeito às infâncias e adolescências brasileiras. Uma das coisas que penso é sobre um termo que sempre aparece quando eu pergunto a pessoas adultas o que é uma criança —já falei desse exercício em outro texto por aqui. A palavra "inocente" é usada na maioria das vezes para definir o que seria uma pessoa que vive a fase da infância.

Até aí, tudo bem. A questão é que eu me coloquei a pensar numa coisa que quero compartilhar com vocês. Comecei a pensar que se existe uma ideia de inocente, também existe uma ideia de pessoa culpada.

Quando o termo "inocente" aparece nas conversas sobre crianças e infâncias, eu sempre pergunto: e o que é um ser inocente?

"Ué, um ser que não tem maldade", respondem.

"E qual é o contrário de inocente?"

"Culpado!"

Pois bem, essa reflexão sobre culpados e inocentes me fez recordar o Código de Menores, uma legislação com olhar totalmente assistencialista a crianças e adolescentes, chamados pela lei de "menores em situação irregular".

O que seria uma pessoa em situação irregular?

Basicamente pessoas com idade entre zero e 18 anos que estavam desassistidas pelo Estado brasileiro, mas que eram consideradas delinquentes ou "abandonadas" pelas suas famílias. Nem preciso dizer que, num país racista como o nosso, essas crianças eram majoritariamente negras (pretas e pardas) e pobres.

O Código de Menores, que vigorou no Brasil por quase seis décadas, ainda vive no imaginário da população brasileira, que inclusive gosta de usar esse termo pejorativo "menor" para se referir a crianças e adolescentes de periferias, ocupações e meios rurais.

O termo "menor", com conotação de inferioridade, muitas vezes é defendido por pessoas que dizem "Eu falo 'menor' no sentido de menor de idade, não de inferioridade". Contudo, é importante sabermos que as palavras têm raízes, significados e história em seu uso. Não podemos pensar que a escolha pelo termo "menor" não teve nenhuma conotação perversa, já que significa inferior (façamos o exercício de procurar os sinônimos nos dicionários e também na etimologia dessa palavra).

Poderíamos falar "mais novo", mas enquanto sociedade, escolhemos falar "menor".

Podemos —e devemos— substituir o termo "menor" por criança ou adolescente. É um exercício antiadultocêntrico que conseguimos fazer.

Agora vamos pensar: se "menor" era toda pessoa até 18 anos em situação irregular (ou seja, desprotegida pelo Estado), que nome era dado às pessoas com essa faixa etária de classe média ou alta?

O nome era criança ou adolescente.

O filho do rico era criança, o do pobre era menor. Os filhos de ninguém, menores.

É importante pensar em tudo isso porque 60 anos de Código de Menores ainda pulsa mais do que 33 anos de ECA. Ainda estamos defendendo o que deveria ser óbvio, o direito de ser criança e ser tratada como tal.

Quando dizemos que crianças são inocentes, será que estamos pensando na inocência de todas as crianças ou nos pautando numa ideia de menoridade?

Trago isso para pensarmos juntos e não como verdade, jamais!

Será que o imaginário brasileiro desenha uma ideia de criança e adolescente pautada nas vivências de todas as classes sociais ou apenas no desejo de enquadrar crianças e adolescentes pobres numa lógica infantojuvenil burguesa?