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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o racismo produz discursos limitantes sobre as infâncias negras

Colunista do UOL

26/05/2023 04h00

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Recentemente, eu mediei um processo formativo sobre infâncias negras com profissionais de uma instituição socioeducativa. A ideia era sensibilizar a equipe para a importância de compreendermos as complexidades e pluralidades das infâncias, com foco nas questões que permeiam principalmente as infâncias negras.

Obviamente, o racismo é uma das questões mais importantes a se considerar quando o assunto está relacionado às violências que podem fragilizar as experiências de pessoas negras na infância. Então os encontros com as equipes de trabalho foram atravessados pelo tema.

A atividade consistia em pedir que as equipes, coletivamente, imaginassem uma criança e a desenhassem numa folha. Em seguida, as equipes receberiam uma ficha de inscrição (parecida com a que usam na instituição) e preencheriam com os dados da criança inventada.

Ao todo, foram criadas 21 crianças imaginárias e a cada criação algo era percebido: a maioria das crianças desenhadas era negra e quase todas elas tinham histórias de vida marcadas por muito sofrimento, pobreza e violências diversas.

Claro que ao analisar os dados do Brasil no que diz respeito à violência na infância, percebemos que as crianças negras estão mesmo em maior vulnerabilidade se comparadas às crianças brancas, justamente por conta dos desdobramentos do racismo em nossa sociedade. Contudo a vida de crianças negras não se resume a sofrimento e desgraças.

Crianças negras não estão passivas diante do contexto racista brasileiro. As crianças denunciam o racismo todos os dias quando voltam da escola e contam à família sobre alguma violência sofrida. Crianças negras ocupam espaços com suas brincadeiras e elas têm propostas concretas de mudanças sociais para o fim do racismo. Basta nós, pessoas adultas, aprendermos a dialogar com elas.

Agora, voltando à atividade realizada na instituição.

O que faz com que nós, pessoas adultas, ainda acreditemos que ser criança negra é ser triste, pobre e violentada?

O que faz com que pensemos que as infâncias negras não podem ter uma história de felicidade e leveza enquanto movimento de resistência?

Uma das facetas do pensamento racista é acreditar que corpos negros têm a história única de sofrimento e passividade diante deles. E isso não é verdade!

Reduzir as infâncias negras à dor é promover um apagamento da diversidade das crianças pretas e pardas.

Citando Emicida: "Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência é roubar o pouco de bom que vivi. Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes. É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis [sic] sumir".

Para firmar o pensamento, trago um trecho da música "Fartura de Vida", da cantora e compositora Nayra Lays: "Nós merecemos fartura de vida inteira, imensa...".

Infâncias negras são diversas, são resistência e também são felicidade.