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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nem todo conflito com adolescentes é gerado pela fase da adolescência

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

02/06/2023 04h00

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Muitas pessoas adultas me procuram angustiadas para conversar sobre a relação com adolescentes em casa.

A maioria das narrativas trazidas, sobretudo por mães e pais, é de que a relação familiar era diferente antes da chegada da adolescência. Contam que, na infância, o vínculo parecia ser mais forte e havia mais diálogo.

"Lembro de quando ela chegava da escola e me contava sobre seu dia sem eu sequer precisar perguntar. Hoje ela mal fala comigo, entra para o quarto e fica lá trancada. Se eu pergunto algo simples como 'Como foi na escola?', ela acha que estou querendo controlá-la e já se inicia uma briga", diz a mãe de uma menina de 14 anos.

Em grupos de apoio psicológico a pessoas adultas que convivem com adolescentes, é comum me deparar com comentários sobre a angustia diante das constantes brigas devido à ausência de diálogo com adolescentes.

"Ela fala que vai sair com uma amiga, mas que amiga é essa? É da escola, do curso, de onde? Por que não traz a menina aqui? Eu pergunto e ela bate o pé, diz que não me apresenta porque eu não respeito as amizades dela. Como vou respeitar alguém que eu não conheço?", conta a mãe de uma adolescente de 16 anos.

Eu já disse em outros textos que a adolescência é uma fase de intensas mudanças, e é delicada porque, entre outras coisas, acontece também, quase que concomitante, a puberdade.

A adolescência é um momento da vida muito frágil e por isso requer que redobremos —ou criemos— a habilidade de refletir sobre algumas questões trazidas por adolescentes e tenhamos sensibilidade para, ao menos, entender o que está sendo comunicado.

Quando uma adolescente diz para a mãe que não apresentará a amiga para ela, pois sabe que não será bem recebida em sua casa, é possível pensar que talvez essa mãe (ou outro familiar) já tenha falado algo preconceituoso sobre aspectos que fazem parte da vida daquela amiga.

Certa vez, uma menina me contou que sua mãe tinha falas extremamente gordofóbicas e, por essa razão, não apresentaria suas amigas para ela. Ao mesmo tempo, a menina se irritava toda vez que desejava repetir uma refeição e ouvia a mãe dizer: "Essa daí só come e dorme". O conflito estava posto. A menina inflamava e, por não conseguir dizer seu incômodo para a mãe, parava de comer e chorava em seu quarto. A mãe atribuía o choro e "ausência de fome" da menina a outras questões que nada tinham a ver com os reais motivos trazidos pela adolescente: a gordofobia proferida pela mãe.

É difícil para nós, pessoas adultas, aceitarmos que muitos conflitos vivenciados em casa com adolescentes estão relacionados à nossa postura e que ela precisa ser mudada. É doloroso admitir que muitas vezes somos nós, em nossos preconceitos e privilégios, que geramos incômodos que fazem com que adolescentes sintam que não podem conversar em casa sobre determinado assunto.

Precisamos aprender e aceitar que a adolescência não é um período vivenciado a sós e que todas as pessoas que convivem com adolescentes, em alguma medida, lidam com os conflitos dessa fase da vida. Afinal, muitos desses conflitos somos nós, pessoas adultas, que impulsionamos sem perceber.

Buscar espaços em que possamos refletir sobre nossa postura e rever nossos pré-conceitos é fundamental. Admitir que também precisamos melhorar é difícil e, às vezes, para nos defendermos dessa realidade, culpamos a adolescência.