Topo

Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Orgulho LGBT: relato de primeiros afetos de uma adolescente dos anos 90

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/06/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Durante muito tempo, ao contar sobre minhas vivências afetivas e sexuais, eu considerava como "primeiras vezes" apenas as experiências com meninos cis. Isso porque, no fundo, eu achava que tudo que tinha vivido até ali com meninas da minha idade eram apenas treinos ou ensaios para uma relação heterossexual que eu viria a ter com garotos.

"Vamo brincar daquele negócio lá?", eu dizia, elas diziam. E a gente "brincava" de namorar.

Tínhamos lá pelos nossos 12 anos de idade.

Eu me apaixonava todas as vezes, eu desejava repetir os carinhos todas as vezes, eu queria namorar todas as vezes, mas eu sempre me convencia de que aquilo tudo era apenas "treino, brincadeira, encenação".

A parte confusa daqueles treinos acontecia quando eu me enamorava por alguma de minhas amigas. Eu tinha muito ciúme de minhas amizades com algumas meninas e queria cheirar os cabelos delas, conversar ouvindo música, sem chamar aquilo de ensaio ou treino. Mas eu vivia assim: com as meninas era treino, com meninos é que seria o jogo.

Ser uma menina que também ama meninas e expressar amor publicamente nos 90 era algo impensável para mim. Eu achava que ninguém em minha escola sentia o mesmo, e que minhas amigas —aquelas com quem eu brincava de beijar e namorar— não sentiam a mesma coisa que eu. Eu achava que nunca me aconteceria de amar e ser amada de volta por outra menina.

Em casa, o que minha família dizia sobre pessoas LGBT era muito baseado em preconceitos e falsas crenças. Havia uma ideia falsa em meus parentes de que pessoas não-heterossexuais eram "promiscuas" e não mereciam respeito. Eu temia não ser amada pela minha família e me calava. Não dizia nada, só pensava que seria muito bonito poder gostar e ser gostada, mas passei a acreditar que só viveria isso com meninos.

Aos 14 anos eu conheci um menino de 16 e nos beijamos. Foi legal, eu gostei, daí passei a acreditar que tudo que senti até ali era mesmo um treino. O caso é que volta e meia eu me sentia atraída por meninas da minha idade, me apaixonava por artistas mulheres, como a Queen Latifah.

Eu me apaixonava por meninas, desapaixonava, apaixonava de novo, mas nesses intervalos eu também gostava de meninos. Demorou muito tempo para eu entender que meu interesse emocional e sexual era por pessoas em geral, e não só por meninos ou meninas.

Hoje, adulta e com independência financeira, consigo ser mais firme para defender meu direito de amar e ser amada por quem eu quiser —e me quiser de volta—, mas não deveria ter demorado tanto. Eu poderia ter sido vista e aceita lá na adolescência.

Hoje, consigo dizer que todas as minhas primeiras vezes (seja de beijo, apaixonamento, vivências sexuais e afetivas) foram com meninas cis de idade próxima à minha e eu gostei muito de ter sido assim. Era tudo muito escondido, era com medo, com culpa, mas era nosso jeito de driblar a imposição cis-hetero daquela época.

Meus familiares hoje entendem muito melhor o que é ser uma pessoa LGBTQIAPN+ e, obviamente, ainda reproduzem preconceitos, mas agora se abrem para entender que não existe problema em amar quem eu quiser amar.

Eu entendo que o dia do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado em 28 de junho, é para dar visibilidade à nossa existência e à nossa luta para existir em paz, pois cotidianamente somos colocados como pessoas inadequadas, e isso gera muito sofrimento e dor, além da ausência de políticas públicas para nos proteger —o que é direito de toda pessoa, então deve ser nosso também.

Só se mantém vivo quem se ama, só se ama quem se conhece e só se conhece quem se orgulha. Então vamos nos orgulhar de ser quem somos.

Desejo que as adolescências LGBTQIAPN+ da atualidade sejam felizes e que tenham famílias acolhedoras que coloquem o amor e o acolhimento acima do preconceito e da violência.

Agora eu sei que nossos afetos não são ensaios, nossos afetos são espetáculos lindos de se protagonizar. Nossos afetos não são treinos, são jogos incríveis para torcer com arquibancada cheia.

Toda vida merecer ser plena, todo amor e toda identidade merecem ser celebrados.

Então vivamos!