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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Fácil falar quando não se tem filhos': vivência e estudos podem coexistir?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

04/08/2023 04h00

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Em 2022, durante uma atividade com familiares, propus que as pessoas responsáveis pensassem sobre suas formas de lidar com os conflitos gerados na relação com adolescentes em casa.

Recordo que, a cada apresentação de conflitos, eu sugeria que tentássemos olhar para as situações pela perspectiva de quem está sentindo as mudanças da puberdade e da adolescência na própria pele.

Eu disse algo como:

— Vamos pensar no quanto deve ser difícil para adolescentes passar por tantas mudanças físicas e emocionais e não conseguir alcançar a expectativa de uma pessoa adulta sobre ela. Por mais simples que seja uma tarefa, é possível que naquele momento ela pareça maior do que é.

Uma senhora levantou a mão e me perguntou:

-- Você tem filhos?
-- Não tenho -- respondi.

Nesse momento, a senhora se levantou e, com um sorriso largo em tom de sarcasmo, disse:

— Fácil falar quando não se tem filhos, né? Quero ver você usar isso aí no dia a dia com um menino de 14 anos que vive de ovo virado.

Eu a escutei, e sabe de uma coisa? Ela tem razão!

É fácil falar quando não se tem filhos e é justamente por isso que eu, e outras pessoas que estudam desenvolvimento infantojuvenil, falamos sobre esse tema.

Quando estamos dentro de um processo de convivência com adolescentes —principalmente na condição de responsável— é possível que a impaciência inflame as emoções e acabe falando mais alto que a coerência e a empatia.

Eu falo do lugar de quem convive com adolescentes num contexto muito especifico, que é da escuta individual ou quando estão com seus pares (amizades, colegas de escola etc). Eu falo do lugar de quem escuta as próprias adolescências falando sobre suas vidas em primeira pessoa.

Eu não sou mãe de adolescente e, sinceramente, compreendo que deva ser difícil exercer esse papel, mas, de fato, eu não o exerço. O meu papel no percurso de cuidado à saúde emocional de adolescentes é de promotora de processos que ajudam no fortalecimento das relações saudáveis durante a adolescência (sejam relações familiares, comunitárias ou consigo).

Você, responsável por adolescentes, tem seu papel fundamental de cuidado e vive as dores e delícias desse caminhar. Já eu, psicóloga e educadora, tenho meu papel de estudiosa do tema e escutadora das demandas de adolescentes e das suas. São papeis, funções e posturas diferentes, mas que podem existir ao mesmo tempo.

Quando proponho o exercício de compreender o que passa nas emoções de adolescentes e sugiro que exerçamos um papel mais acolhedor com pessoas nessa faixa etária, não quero sugerir que você exerce mal o seu papel, mas estou propondo que caminhemos lado a lado e que você tenha o apoio necessário para ser uma pessoa parceira no desenvolvimento dessa outra pessoa que está numa fase muito peculiar de desenvolvimento.

Perceba que não estamos falando sobre como ser uma mãe ou pai melhor, mas como ser uma pessoa acolhedora para adolescentes. Eu não sou mãe, mas sou uma pessoa que entende a responsabilidade de toda a sociedade na proteção de adolescentes.

Eu, em minha função, você na sua, construímos um cenário protetivo para todas as adolescências.

Se é preciso uma ladeia inteira para educar uma criança, façamos o exercício de escutar outras experiências e estudos.

Nossos papeis não se anulam entre sim, nossa vivência e nossos estudos podem coexistir, não há competição entre nós.

Se é para o bem-estar de adolescentes, que tal seguirmos numa construção coletiva?