Elânia Francisca

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Opinião

Quando adolescentes dizem não: sustentando a inutilidade adulta

"Não é não!"

Essa é uma frase muito utilizada para expressar a importância do respeito ao consentimento, sobretudo o consentimento em situações de contexto afetivo sexual.

"Não, eu não quero te beijar."

"Não, eu não quero transar com você."

"Não, eu não estou interessada."

Dizer não e ter o respeito dessa sentença resguardado deveria ser algo simples, mas ainda é uma luta constante, principalmente quando se trata de meninas e mulheres. As campanhas de Carnaval mostram o quanto as masculinidades hegemônicas são prejudiciais para todo mundo —e não só para o gênero feminino.

Aprender a respeitar o não de alguém e aprender a dizer não é um exercício fundamental de receber e dar limites. Relações precisam de limites, pois é assim que compreendermos que o corpo de cada pessoa deve ser preservado de qualquer invasão (inclusive o nosso).

Esse texto breve é um convite para pensar um pouco sobre nossos sentimentos diante do não desejo de adolescentes em conversar conosco. E alerto que não se trata de um diálogo sobre relações de gênero entre pessoas adultas. Trata-se de sensibilizarmo-nos para algo que ocorre na relação de pessoas que nasceram em períodos muitos diferentes da história: as relações de poder estabelecidas nos conflitos geracionais entre adolescentes e pessoas adultas.

Vou explicar.

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Tenho percebido —por meio de relatos de colegas, vivências em meus trabalhos e atendimento a adolescentes e suas parentalidades— que nós, pessoas adultas, temos certa dificuldade em lidar com o não de adolescentes diante do nosso desejo de conversar sobre determinado tema ou diante de nossa oferta de escuta.

Recentemente, uma educadora, mãe de adolescente, contou que se irrita demais quando sua filha, de 13 anos, se recusa a receber ajuda dela.

A mãe relata o seguinte: "Fulana aparece na cozinha com o rosto inchado de tanto chorar e eu digo 'O que aconteceu?' Ela responde que não houve nada, mas dali a pouco o pai chega e ela o abraça e os dois conversam. Me irrita o fato de ela confiar no pai e não confiar em mim".

Vejam que um passo extremamente importante foi dado pela mãe: admitir que existe um incômodo dela diante de um distanciamento da filha que escolhe o pai para confidenciar suas questões. Contudo, esse é um passo, mas não é a caminhada completa, é preciso seguir refletindo sobre como nos sentimos quando adolescentes não querem, ou não conseguem, vincular-se a nós.

Essa mãe traz informações de que já chegou a obrigar a menina a contar algo que ela confidenciou somente para o pai. A mãe diz ter raiva e ciúmes.

"Eu não lido bem com o 'não' da Fulana, eu peço para conversar e quando ela diz 'não quero', eu grito 'Ah, mas com seu pai você conversa'. Digo isso porque me remete a momentos em que me dediquei ao cuidado dela sem a presença ativa do pai e hoje ela é mais próxima dele do que de mim", diz.

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A mãe assume que esperava retorno emocional da menina diante da negligência do pai na infância e, consequentemente, da sobrecarga que ela passou nesse período. Porém é importante entendermos que o fato de a menina não se sentir à vontade em dialogar com a mãe pode não estar relacionado à inexistência de vínculo emocional entre elas. A menina só não quer conversar com ela.

É extremamente difícil para muitas pessoas adultas lidar com o "não quero" de adolescentes, isso porque, em alguma medida, o "não" mexe com nossa memória e nos remete a uma história de rejeição. "Não quero isso que você está me oferecendo", não é sinônimo de "Não quero nada que venha de você!".

Precisamos fazer esse difícil exercício de entender que o "não" de adolescentes também precisa ser respeitado, e para isso precisaremos lidar com nossos fantasmas de rejeição do passado.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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