Elânia Francisca

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Opinião

Dismorfia corporal na adolescência: conhecendo Clara

Alerta de gatilho: esse texto possui conteúdo sensível e não é recomendado para pessoas sensíveis ao tema da dismorfia corporal. Sugiro que, se você está num momento frágil com relação ao seu corpo, que leia o texto abaixo em outro momento.

Tudo começou com uma brincadeira, aparentemente inofensiva. Nos almoços de domingo, toda a família se juntava para um churrasco com diversão. Os primos, todos na faixa dos 10 e 11 anos de idade, brincavam juntos no quintal enquanto as pessoas adultas conversavam e faziam piadas. A família de Clara sempre foi muito divertida e gostava de brincadeiras.

Clara sempre foi uma criança magra e sua família a apelidou de Pipa, pois, segundo eles, a menina era tão magrinha que qualquer ventinho a colocaria voando no céu como uma pipa sem rabiola. Clara detestava o apelido.

Vinda de uma família de mulheres de cintura fina, pernas grossas e seios fartos, ela acreditava que, quando crescesse, se pareceria com a mãe, as tias e as irmãs.

Não aconteceu. Vieram os 12, 13 anos, a menstruação e nada!

Clara passou a detestar os almoços de domingo, as brincadeiras com os primos. Não entrava mais na piscina, só usava calça comprida e camiseta, queria cobrir o corpo e se comparava com as outras meninas de sua idade. O apelido Pipa lhe parecia torturante, mas não tinha coragem de comunicar isso aos familiares, acreditava que seria taxada de fresca, mal-educada. Preferiu guardar segredo sobre como se sentia consigo mesma.

Nos encontros de fim de ano, a menina se isolava, não queria ver as mulheres da família com suas roupas e maquiagens perfeitas, seus corpos perfeitos. A ideia que Clara tinha era de que todas as meninas e mulheres estavam muito confortáveis com seus corpos, que eram e se sentiam lindas, menos ela.

Clara tentou comer mais, tentou praticar esportes, passou a pesquisar sobre medicamentos que tinham como efeito colateral o ganho de peso e quis tomá-los. O aumento de peso que não acontecia e o medo de engordar de uma forma que não fosse "proporcional" fizeram com que ela criasse estratégias para suportar não ter o corpo que desejava.

Aos 17 anos, alargou ainda mais as roupas, passou a não ter amizades, não queria ver ninguém. Isolada em seu quarto, passava horas nas redes sociais acompanhando a vida de meninas e mulheres que ela desejava ser. Clara se olhava no espelho, verificava seus ossos aparentes e se comparava com as influenciadoras, com as primas, irmãs, tias, colegas de escola.

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Ficava enfurecida, com raiva de si. Não via beleza em seu corpo e rosto, por isso não acreditava em qualquer elogio vindo em sua direção. Achava que todos mentiam quando diziam que ela era bonita. Pensava que era um "prêmio de consolação".

Passou a ter ódio das meninas que ela julgava bonitas. Fingia não ligar para a aparência, foi se largando. Só tomava banho ou escovava os dentes quando a mãe a lembrava dessa necessidade. Não sorria mais.

Um dia resolveu dizer à mãe como se sentia, que acreditava ser feia demais, magrela demais.

"Pipa, você é linda. Eu queria ser magra como você, ter um corpinho pequeno que não chama tanta atenção. Quem me dera ser magra, filha. Você é linda!"

Tudo naquela frase incomodou Clara. Ser chamada de Pipa, ter seu "corpo pequeno" apontado pela mãe como um corpo que ninguém nota. Clara queria ser notada, admirada, desejada. Desistiu de tentar explicar à mãe o que lhe afligia.

"Obrigada mãe, me sinto melhor", mentiu. Mentiu e seguiu sofrendo sozinha.

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No Natal do último ano, Clara teve a primeira crise de ansiedade durante um churrasco na chácara de sua tia. A estreia da piscina construída, os primos saltando na água, o sol forte, a música, todas as pessoas de trajes de banho dançando, comendo, se divertindo foram demais para Clara. Não suportou, tremeu, teve falta de ar e dali em diante não viu mais nada.

Acordou no carro da tia, com a cabeça no colo da mãe e sendo levada ao hospital.

Foi acolhida pela equipe de plantão, teve que tomar uma medicação e conversou com a psicóloga.

"Talvez seja fome, ela não comeu nada o dia todo e estava no sol quente."

Clara observava a conversa da mãe com a psicóloga e chorava.

"O que foi, Pipa? Por que está chorando, filha?"

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"Mãe, não gosto que me chame de Pipa. Não gosto de ser magra, feia."

Ainda que a mãe enfatizasse o quanto a menina era linda, Clara não acreditava.

A psicóloga, agora a sós com a adolescente, sugeriu que ela tivesse um espaço semanal para conversar com uma profissional que pudesse compreender, com Clara, o que estava acontecendo.

Foi assim que a adolescente iniciou seu percurso na psicoterapia e entrou em contato com um termo que nunca havia escutado antes: dismorfia corporal.

No próximo texto, seguiremos acompanhando a história de Clara (personagem fictícia), e compreenderemos o que é dismorfia corporal e como ela afeta a vida de muitas pessoas na adolescência.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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