O sentimento de culpa da mulher que para de trabalhar para cuidar da saúde
Há algumas semanas eu assisti à última temporada de Sex Education (fazia tempo que queria terminar de ver a série, mas nunca tinha tempo).
Pois bem, quero falar da personagem Jean Milburn, mãe de Otis (protagonista da série). Jean é uma mulher com mais de 50 anos, terapeuta sexual, que está passando pelo puerpério muito deprimida, por não conseguir lidar com as demandas de cuidado com sua bebê recém-nascida, nem com a apresentação de um podcast sobre sexualidade, que é seu novo trabalho.
A personagem se tornou mãe pela segunda vez, aos 50 anos, teve complicações no parto, quase morreu. Seu filho adolescente está numa fase de afastamento do convívio com ela, sua bebê chora muito e Jean está trabalhando numa agência que produz o tal podcast. Tudo isso gerou uma grande mudança em sua vida e ela não sabe como lidar.
Num dado momento da série, em conversa com O, uma adolescente que coapresenta o podcast com ela, Jean fala sobre seus sentimentos com relação à carreira: "Ainda tenho a sensação de que se uma mulher sai da montanha-russa da carreira, ela não vai conseguir voltar".
Eu fiquei reflexiva a partir dessa fala de Jean, porque, de alguma forma, se parece muito com o momento que estou vivendo. Em 2023 fui diagnosticada com câncer e precisei parar de realizar muitos dos trabalhos que fazia, e agora, após o tratamento e voltando ao trabalho, tenho essa sensação de ter saído da montanha-russa da carreira, com risco de não conseguir voltar ou de esborrachar na tentativa de voltar para o tal brinquedo que seguiu funcionando sem mim dentro dela.
Eu amo muito o trabalho, gosto muito de ser educadora em sexualidade, gosto de atender adolescentes como psicóloga, gosto de apresentar o que faço e compartilhar reflexões sobre direitos sexuais e reprodutivos. Só que precisei me afastar para cuidar de mim e, mesmo falando muito sobre a importância do autocuidado, sei que quando vivemos numa sociedade capitalista, pausar a carreira pode trazer a sensação de que você está desaparecendo do "mercado" —e não ganhando tempo de cuidado.
Quando se é mulher, esse peso de não poder sair do mercado de trabalho por medo de não conseguir voltar parece ser ainda maior. Há uma pressão sobre as mulheres que faz com que adiemos o autocuidado por medo de perder nossos trabalhos ou, quando o cuidado à saúde é urgente, parece haver um sentimento de culpa por estarmos priorizando cuidar de nossa existência.
Assim como Jean na série Sex Education, sinto que retornar aos trabalhos após um ano distante da rotina desenfreada parece desafiador e, por vezes, desanimador.
Falar sobre a rotina exaustiva de mulheres que trabalham em casa e fora dela (a dupla, tripla jornada) também é falar sobre suporte e segurança que mulheres precisam quando necessitam se afastar para cuidar de si.
Priorizar o cuidado à saúde não deveria nos gerar medo ou culpa.
Lembro de uma frase que vi circulando na internet (não me recordo quem a escreveu), que dizia: "Romantizaram tanto a rotina exaustiva que quando você para para descansar, você sente culpa".
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