'Você faz tudo errado': o erro como possibilidade de fortalecer vínculos
Comecei a atender Pedro (nome fictício) quando ele tinha 14 anos e o acompanhamento terminou pouco depois de ele completar 16.
O menino chegou até mim pois, segundo seus responsáveis, havia se tornado um "folgado" depois que atingiu a adolescência.
- Ele não ajuda em nada nas tarefas de casa e, quando ajuda, é com má vontade e faz tudo errado, diziam.
O pai contava que o menino não gostava que apontassem o erro e "explodia" quando alguém tentava corrigi-lo. Gritava, xingava, saia batendo portas da casa e se trancava no quarto com fones de ouvido.
Pedro, que escutava de cabeça baixa, em seu momento de falar, respondeu que queria melhorar e controlar a raiva, fazer as coisas direito.
Por muito tempo nos atendimentos, o adolescente era monossilábico nas sessões e, quando falava, culpava-se por ser "tão burro" e sempre fazer tudo errado, se irritava com o apontamento do erro, pois isso só lhe colocava na frente de um espelho que refletia sua "cara de burro".
Certa vez, durante um jogo de Uno acirrado, Pedro me ganhou numa incrível sequência de cartas.
- Compra +2, +2, +2...
A cada carta colocada na mesa, Pedro aumentava o tom de voz, sorria, gargalhava.
- +2, +2... COMPRA O MONTE TODO, TROUXA!
Em êxtase, Pedro levanta, joga uma carta +2 na mesa e grita:
- UNOOOOO!
Em seguida, joga uma última carta:
- MAIS QUATRO, NA SUA CARA!!
Pedro ganha, pula, comemora...
- Deixa eu ver o que você tinha?
Puxa as cartas de minha mão e examina.
- Você tava cheia de carta boa!, gargalhou. Perdeu por burrice.
Pedro tentou me explicar quais cartas teriam me favorecido no jogo e o que eu deveria ter feito para vencê-lo. Ria enquanto fazia as minhas cartas de leque numa das mãos e com a outra, simulava um microfone para me "entrevistar".
- O que você tem a dizer?
Eu levantei as duas mãos com as palmas viradas para cima e disse:
- É... Acontece. Mais uma partida?
- Bora...
Enquanto eu embaralhava as cartas, contei para Pedro que achei curioso o modo como ele venceu o jogo. Falei que não foi muito gentil ou acolhedor comigo e que eu não havia gostado da sensação de ter sido chamada de burra por não ter percebido uma jogada possível no Uno.
Perguntei se ele sentia algo parecido quando alguém lhe mostrava algum erro.
- Vida é vida, jogo é jogo. No jogo a gente pode zoar, mas na vida tem que ter respeito.
- Sim, você merece respeito, Pedro.
Jogamos mais uma partida, dessa vez em silêncio. Pedro ganha novamente.
No fim da sessão, o menino guarda as cartas na caixa e diz:
- Hoje você quase entrou na minha mente.
E foi nesse momento que uma perda, um vacilo, um erro fortaleceu nosso vínculo.
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