Como identificar propagandas enganosas nos rótulos de alimentos
A pessoa que está tentando ser saudável é o principal alvo das alegações nutricionais. Ela entra no supermercado buscando produtos que vão ajudá-la a emagrecer, tratar ou prevenir doenças, viver mais e melhor. Para atingir seu objetivo, esse consumidor está disposto a pagar mais caro por alimentos especiais — e a indústria sabe disso. Na verdade, ele não está comprando comida, está comprando o sonho de ficar saudável.
Mas as prateleiras de "comidas saudáveis" revelam armadilhas comerciais que podem tornar esse sonho num pesadelo. Os rótulos atrativos estampam "benefícios" que convencem o cliente a comprar: "zero açúcar", "vegano", "natural", "sem glúten", "sem lactose", "rico em (preencha com seu nutriente preferido)". Esses são alguns exemplos de uma infinidade de termos desprovidos de significado, quando vistos de forma isolada.
A verdade, porém, encontra-se nas letras miúdas das listas de ingredientes e nos valores das tabelas nutricionais. Aprender a interpretar corretamente essas informações é fundamental para evitar que seu dinheiro e sua saúde escoem pelo ralo.
A chave para entender a qualidade dos alimentos está nos próprios rótulos. Aqui vão seis dicas para interpretá-los:
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6 dicas para interpretar rótulos de alimentos
1. Entenda a lista de ingredientes
Esse campo revela do que o produto é feito, sendo ordenado do maior para o menor, ou seja, os primeiros ingredientes são os que estão presentes em maior quantidade.
Se açúcares, farinhas refinadas, gorduras artificiais ou aditivos aparecerem no começo da lista, o produto não será uma boa escolha, não importa o que diga a embalagem. Saber ler essa lista é fundamental. Sem essa habilidade, qualquer outra informação perde a relevância.
2. Cuidado com produtos 'light', 'fit','zero' ou 'diet'
Embora os produtos "light" ou "reduzidos em calorias" pareçam melhores, eles frequentemente incluem ingredientes questionáveis e aditivos extra. O termo "fit" não é regulamentado, portanto não tem um significado oficial (confira o exemplo desta tortilha que já avaliei no Guia do Supermercado).
"Zero" não é sinônimo de "low carb", pois esses produtos podem conter quantidades ilimitadas de carboidratos e até açúcares escondidos em ingredientes como suco de maçã ou de outras frutas doces. Além disso, muitos contêm grandes quantidades de polióis, como o maltitol, que podem dobrar ou triplicar de preço sem oferecer benefícios significativos.
3. 'Vegano', 'Natural', 'Sem glúten', 'Sem lactose' também não são garantia de qualidade
Uma batata frita em óleo vegetal pode ser tão vegana quanto um refrigerante cheio de açúcar, mas isso não os torna saudáveis. O termo "natural" tem conotação positiva, porém refere-se apenas à origem da substância, não às suas propriedades. Lembre-se de que existem até mesmo drogas de fontes naturais. A mesma lógica vale para os alimentos sem glúten e lactose, que são úteis para alérgicos e intolerantes, mas não trazem benefícios para quem os tolera. Ao invés de ajudar, essas palavras podem confundir o consumidor.
4. Considere o tamanho da porção real que você consumirá
Embora os valores em 100g das tabelas nutricionais sejam úteis para comparar produtos, as porções teóricas dos rótulos nem sempre correspondem à prática, e podem levar a escolhas equivocadas. Por exemplo, uma garrafa grande (500g) de iogurte pode destacar ter 28g de proteínas.
Porém, seria necessário beber todo o seu conteúdo para obter essa quantidade do nutriente. Meio quilo de iogurte não é uma porção realista, pois um copo típico tem até 200g da bebida. Avaliar o tamanho real da porção é uma forma de traduzir os dados do rótulo para a sua realidade.
5. Não fique obcecado com calorias
Focar apenas nas calorias é um erro, é como escolher uma roupa apenas pela cor, sem considerar que o tamanho pode não ser o seu. O importante é a qualidade dos alimentos, não apenas o seu conteúdo calórico.
6. Seja crítico com as alegações de "alto teor de proteína" e "alto teor de fibras"
Produtos funcionais, com esses apelos, estão cada vez mais presentes nos supermercados. No entanto, o consumo de fibras provenientes dos alimentos industrializados nem sempre garante uma melhora no trânsito intestinal e, sem a ingestão adequada de água, pode ter o efeito oposto.
Quanto à proteína, que está em alta, tenha uma atenção redobrada. Nem todos os produtos "ricos em proteína" são saudáveis, como alertei nesta edição da cerveja "proteica".
É crucial identificar a fonte de proteína e verificar se você realmente precisa desse alimento extra. Além disso, algumas marcas aumentam o valor proteico adicionando aminoácidos ou proteínas de baixo valor biológico, o que pode ser enganoso, pois as proteínas não são todas iguais.
Um produto rico em proteínas também pode conter altas quantidades de gorduras, carboidratos ou até açúcares, algo que vemos bastante nas barrinhas. Em qualquer dieta saudável, é importante que as proteínas venham de fontes naturais e de alta qualidade, como leite, ovos, carne, peixe ou nas combinações adequadas em dietas vegetarianas.
Uma alimentação saudável dispensa a maioria dos rótulos
Quanto mais alegações publicitárias o rótulo tiver, maior o risco de que ele esteja tentando distrair a sua atenção do que realmente importa. Na dúvida, deixe o produto na prateleira e prefira os alimentos in natura ou minimamente processados — eles não precisam de rótulos para nos convencerem de que são saudáveis.
Da próxima vez que você estiver no supermercado, escolha seus industrializados com atenção, desconsiderando o marketing das embalagens. Tomar decisões informadas não apenas permitirá que você melhore sua dieta, mas também contribuirá para mudar o rumo do mercado e da indústria de alimentos.
Quando o consumidor aprende a fazer escolhas melhores, a demanda muda e, eventualmente, a indústria muda
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