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Por que nenhuma criança deveria tomar Danoninho

Encontrar iogurte infantil saudável é missão (quase) impossível. Os rótulos lúdicos, com personagens sorridentes, projetam uma imagem inofensiva que ofusca a triste realidade.

Esses produtos não passam de ultraprocessados, um emaranhado de aditivos com açúcares de diversos tipos. Mas existe ainda um agravante: suas embalagens práticas conquistam crianças cada vez mais novas.

O Danoninho é um exemplo disso. Na década de 1970, quando foi lançado no Brasil, predominava a ideia de que alimentos industrializados poderiam ser mais nutritivos que os naturais, algo que hoje sabemos não ser verdade.

Em sua apelativa campanha "vale por um bifinho", o fabricante aproveitou a tendência da época para promover o Danoninho como um alimento saudável. Embora a propaganda tenha sido denunciada ao Conar por transmitir uma informação distorcida, a mensagem foi tão forte que até hoje é lembrada.

"Lipídios, glicídios, protídios (...) Me dá, me dá, me dá": se você tem mais de 40 anos, talvez se lembre da trilha sonora que embalava os comerciais no intervalo dos programas infantis. O trava-línguas desafiava as crianças a cantar, enquanto fixava na mente dos adultos a mensagem do nutricionismo — um conceito que reduz a nutrição a uma questão bioquímica, focando em nutrientes individuais ao invés de considerar o alimento como um todo.

Atualmente sabemos que isso não faz sentido, já que os ultraprocessados estão associados ao desenvolvimento de uma série de doenças. A maioria deles, como os iogurtes infantis, consiste numa mistura de substâncias que de equilibrada não tem nada.

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (07/10) da newsletter Guia do Supermercado. Para receber estes e outros boletins diretamente no seu email, cadastre-se aqui. Eu sou Sari Fontana, química industrial de alimentos e faço avaliações didáticas para ajudar você a comer de forma mais consciente (me siga no Instagram).

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Lista de ingredientes obtida no site do fabricante. Encontramos no supermercado embalagens com pequenas diferenças na lista
Lista de ingredientes obtida no site do fabricante. Encontramos no supermercado embalagens com pequenas diferenças na lista Imagem: Reprodução/Arte UOL
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Uma combinação de açúcares e aditivos

Usamos o alimento da Danone como exemplo, mas o conceito se aplica aos concorrentes, como os produtos Chamyto e Ninho, da Nestlé, e outros similares.

Esse produto infantil que parece saudável tem uma composição inferior a outros, inclusive da mesma marca, destinados a adultos.

Na lista de ingredientes do "Danoninho pra levar" encontramos um "preparado de frutas", cujo principal ingrediente é a frutose —um tipo de açúcar simples. Xarope de açúcar e ainda mais frutose incrementam a composição do chamado "Petit Suisse".

Embora a palavra remeta a frutas, a frutose isolada e refinada é a molécula mais prejudicial presente no açúcar de mesa.

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Os aditivos completam a lista de substâncias que tornam o produto irresistível e duradouro sem refrigeração: pra levar a qualquer lugar.

Uma revisão de literatura publicada em 2021 na "Revista de Saúde Pública" analisou trabalhos científicos sobre consumo de aditivos alimentares por crianças e suas possíveis consequências à saúde. Os autores concluíram que a exposição a essas substâncias pode estar associada a efeitos adversos, como hiperatividade, alergias, asma e obesidade, embora sejam necessários mais estudos confirmatórios.

A SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) recomenda que não se ofereça açúcar ou adoçante antes do segundo ano de vida. Após os 2 anos, o consumo de açúcar não deve ultrapassar 10% da ingestão calórica diária, uma recomendação que nem sempre é seguida.

Para além dos aspectos nutricionais, os ultraprocessados levantam outras preocupações. Por estimularem o paladar de uma forma intensa, estabelecem referências de hipersabor que tornam os alimentos naturais desinteressantes. Esse é mais um motivo pelo qual as crianças não deveriam ser expostas a esses produtos. A indústria, porém, trabalha de forma ativa para recrutar consumidores cada vez mais jovens.

Basta apertar e sugar

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Imagem: Reprodução/UOL
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Em pesquisas realizadas com seu público-alvo, o fabricante constatou que as crianças de hoje estão mais impacientes. Na disputa com o celular por um segundo de atenção, abrir um pote de iogurte para comer de colherada é mais complicado que clicar num vídeo no Youtube. Mas a Danone tem a solução.

As embalagens flexíveis cumprem um papel importante na estratégia para fidelizar os clientes desde a infância. Elas são fáceis de segurar. Cabem na mão da criança, eliminando a necessidade da colher e da ajuda do adulto para fazer o aviãozinho.

O formato foi pensado para facilitar o acesso até mesmo dos mais novos —para virar um consumidor cativo, basta saber apertar e sugar.

Outra alegada "vantagem" da versão squeeze é facilitar o transporte, pois dura mais tempo fora da geladeira. Isso amplia as ocasiões de consumo. Quanto mais praticidade um produto oferecer, maior a chance de ser lembrado pelos adultos com frequência. A adição de rótulos coloridos e personagens completa a equação, estabelecendo vínculos afetivos com o jovem consumidor.

A perigosa combinação da publicidade com a conveniência de alimentos pouco nutritivos pode afetar a saúde dos consumidores

A infância é um período crítico na formação das referências do paladar, que pode ser corrompido pela introdução precoce de ultraprocessados. Por isso é tão importante oferecer às crianças uma variedade de alimentos em sua forma mais natural. Se for escolher industrializados para os pequenos, preste atenção redobrada aos rótulos. Embora seja difícil resistir à conveniência, a praticidade tem um preço que pode ser pago comprometendo a saúde.

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Como você já sabe, o Guia do Supermercado não é patrocinado por nenhuma marca. Por isso, temos liberdade de elogiar ou criticar produtos do mesmo fabricante.

Lembre-se sempre de conferir o rótulo dos produtos avaliados aqui, pois o fabricante pode alterar a receita a qualquer momento, adicionando ou substituindo ingredientes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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