Por que nenhuma criança deveria tomar Danoninho
Encontrar iogurte infantil saudável é missão (quase) impossível. Os rótulos lúdicos, com personagens sorridentes, projetam uma imagem inofensiva que ofusca a triste realidade.
Esses produtos não passam de ultraprocessados, um emaranhado de aditivos com açúcares de diversos tipos. Mas existe ainda um agravante: suas embalagens práticas conquistam crianças cada vez mais novas.
O Danoninho é um exemplo disso. Na década de 1970, quando foi lançado no Brasil, predominava a ideia de que alimentos industrializados poderiam ser mais nutritivos que os naturais, algo que hoje sabemos não ser verdade.
Em sua apelativa campanha "vale por um bifinho", o fabricante aproveitou a tendência da época para promover o Danoninho como um alimento saudável. Embora a propaganda tenha sido denunciada ao Conar por transmitir uma informação distorcida, a mensagem foi tão forte que até hoje é lembrada.
"Lipídios, glicídios, protídios (...) Me dá, me dá, me dá": se você tem mais de 40 anos, talvez se lembre da trilha sonora que embalava os comerciais no intervalo dos programas infantis. O trava-línguas desafiava as crianças a cantar, enquanto fixava na mente dos adultos a mensagem do nutricionismo — um conceito que reduz a nutrição a uma questão bioquímica, focando em nutrientes individuais ao invés de considerar o alimento como um todo.
Atualmente sabemos que isso não faz sentido, já que os ultraprocessados estão associados ao desenvolvimento de uma série de doenças. A maioria deles, como os iogurtes infantis, consiste numa mistura de substâncias que de equilibrada não tem nada.
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Uma combinação de açúcares e aditivos
Usamos o alimento da Danone como exemplo, mas o conceito se aplica aos concorrentes, como os produtos Chamyto e Ninho, da Nestlé, e outros similares.
Esse produto infantil que parece saudável tem uma composição inferior a outros, inclusive da mesma marca, destinados a adultos.
Na lista de ingredientes do "Danoninho pra levar" encontramos um "preparado de frutas", cujo principal ingrediente é a frutose —um tipo de açúcar simples. Xarope de açúcar e ainda mais frutose incrementam a composição do chamado "Petit Suisse".
Embora a palavra remeta a frutas, a frutose isolada e refinada é a molécula mais prejudicial presente no açúcar de mesa.
Os aditivos completam a lista de substâncias que tornam o produto irresistível e duradouro sem refrigeração: pra levar a qualquer lugar.
Uma revisão de literatura publicada em 2021 na "Revista de Saúde Pública" analisou trabalhos científicos sobre consumo de aditivos alimentares por crianças e suas possíveis consequências à saúde. Os autores concluíram que a exposição a essas substâncias pode estar associada a efeitos adversos, como hiperatividade, alergias, asma e obesidade, embora sejam necessários mais estudos confirmatórios.
A SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) recomenda que não se ofereça açúcar ou adoçante antes do segundo ano de vida. Após os 2 anos, o consumo de açúcar não deve ultrapassar 10% da ingestão calórica diária, uma recomendação que nem sempre é seguida.
Para além dos aspectos nutricionais, os ultraprocessados levantam outras preocupações. Por estimularem o paladar de uma forma intensa, estabelecem referências de hipersabor que tornam os alimentos naturais desinteressantes. Esse é mais um motivo pelo qual as crianças não deveriam ser expostas a esses produtos. A indústria, porém, trabalha de forma ativa para recrutar consumidores cada vez mais jovens.
Basta apertar e sugar
Em pesquisas realizadas com seu público-alvo, o fabricante constatou que as crianças de hoje estão mais impacientes. Na disputa com o celular por um segundo de atenção, abrir um pote de iogurte para comer de colherada é mais complicado que clicar num vídeo no Youtube. Mas a Danone tem a solução.
As embalagens flexíveis cumprem um papel importante na estratégia para fidelizar os clientes desde a infância. Elas são fáceis de segurar. Cabem na mão da criança, eliminando a necessidade da colher e da ajuda do adulto para fazer o aviãozinho.
O formato foi pensado para facilitar o acesso até mesmo dos mais novos —para virar um consumidor cativo, basta saber apertar e sugar.
Outra alegada "vantagem" da versão squeeze é facilitar o transporte, pois dura mais tempo fora da geladeira. Isso amplia as ocasiões de consumo. Quanto mais praticidade um produto oferecer, maior a chance de ser lembrado pelos adultos com frequência. A adição de rótulos coloridos e personagens completa a equação, estabelecendo vínculos afetivos com o jovem consumidor.
A perigosa combinação da publicidade com a conveniência de alimentos pouco nutritivos pode afetar a saúde dos consumidores
A infância é um período crítico na formação das referências do paladar, que pode ser corrompido pela introdução precoce de ultraprocessados. Por isso é tão importante oferecer às crianças uma variedade de alimentos em sua forma mais natural. Se for escolher industrializados para os pequenos, preste atenção redobrada aos rótulos. Embora seja difícil resistir à conveniência, a praticidade tem um preço que pode ser pago comprometendo a saúde.
Como você já sabe, o Guia do Supermercado não é patrocinado por nenhuma marca. Por isso, temos liberdade de elogiar ou criticar produtos do mesmo fabricante.
Lembre-se sempre de conferir o rótulo dos produtos avaliados aqui, pois o fabricante pode alterar a receita a qualquer momento, adicionando ou substituindo ingredientes.
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