Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Covid: por que devemos ser cuidadosos ao recomendar a 3ª dose da vacina
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Com a morte de pessoas que já receberam duas doses da vacina contra a covid-19 —o que é normal, esperado e não deve gerar pânico—, a discussão sobre a necessidade de se aplicar uma terceira dose do imunizante vem ganhando força.
Inclusive, na sexta (13), o FDA (Food and Drug Administration), agência americana similar à Anvisa, aprovou a aplicação da terceira dose das vacinas da Pfizer e da Moderna (que usam a tecnologia de mRNA) para parte das pessoas que têm o sistema imunológico comprometido, por exemplo, em pacientes transplantados. Já Israel passou a oferecer uma terceira dose para reforçar a proteção de pessoas com mais de 50 anos e de profissionais da saúde.
Tudo isso parece interessante e bastante viável. Porém, essas decisões precisam ser muito bem explicadas, para que não tenhamos uma pressão popular e política para a aplicação geral da terceira dose em todas as pessoas, ou até mesmo algo feito de forma descontrolada —por exemplo, pessoas que conhecem gente dentro do sistema de saúde conseguirem dar um jeitinho para tomar a terceira dose.
Minha preocupação com a terceira dose é puramente científica. Quando levamos uma vacina para a população, temos anteriormente uma bateria de testes, que fornecem dados que garantem as ações benéficas das vacinas, sem causar efeitos colaterais graves.
Para recomendar a terceira dose precisamos ter uma enorme responsabilidade e avaliar a capacidade do corpo em tolerar essa nova aplicação. Não podemos aprovar uma terceira dose sem um acompanhamento, em pesquisas, do que pode acontecer em pesquisas. Precisamos de estudos, onde obteremos mais e mais dados para que, no tempo certo, possamos levar essas vacinas para uma possível terceira dose. Mas essa aplicação só deve ser feita quando realmente tivermos a segurança de que ela não vai gerar problemas em nosso corpo.
Se a aplicação da terceira dose não for feita de forma responsável, pode gerar efeitos adversos que, apesar de raros, vão servir de munição para os negacionistas e anti-Vax, que usam o medo para tentar atrapalhar a imunização global.
Por exemplo, a Anvisa fez um alerta sobre casos raros de síndrome de Guillain-Barré pós-vacinação com a AstraZeneca, Janssen e CoronaVac. O problema também foi relatado em diversos outros países. Mas, repito, é um efeito raro e por isso a Anvisa manteve a recomendação de continuar a vacinação, pois os benefícios que o imunizante oferece são incalculavelmente maiores do que os casos adversos graves (que são raros).
A Síndrome de Guillain-Barré é uma doença em que o sistema imunológico ataca os próprios nervos, dessa forma, sendo chamada de uma doença autoimune. Nela, nosso sistema imunológico passa a reconhecer os nossos nervos como algo estranho e tenta destrui-los. A condição gera fraqueza, formigamentos e, conforme progride, pode até provocar paralisia.
Essa doença autoimune pode ser desencadeada por infecções bacterianas ou virais, por exemplo. Infelizmente, pode também ser engatilhada pela vacinação —por isso devemos ser cuidadosos ao recomendar a terceira dose e fazer isso só depois de muitos estudos.
Como desenvolvedor de vacinas que sou, sempre chamo a atenção para termos o maior cuidado com o que aplicamos "no braço" da sociedade, pois não podemos perder, de jeito algum, o que mais temos de preciosos nas vacinas: a segurança e eficácia, que geram confiança na imunização, estabilidade social e o conforto de irmos e vir sem medo de pegarmos doenças infectocontagiosas, como acontecia antes dessa pandemia.
Alguém pode perguntar se com essas informações que estou publicando não vou gerar medo das vacinas.
Eu tenho que responder que o medo vem por falta de informação correta, ou informação sensacionalista e sem embasamento científico, como acontece nas fake news. Informar é uma forma de buscar nas pessoas a responsabilidade e manter a esperança de que, com as ações corretas, podemos superar qualquer coisa, inclusive essa pandemia.
Dessa forma, quando discutimos questões como a possível vacinação com uma terceira dose, precisamos chamar a atenção de que isso deve ser sempre uma decisão cientifica, não política nem social. Como já escrevi, o foco agora dever ser a vacinação com as duas doses e de forma global, para controlarmos a pandemia o mais rapidamente possível.
Vale ressaltar que, mesmo vacinados, precisaremos continuar com os cuidados não farmacológicos, como o uso da máscara, distanciamento e higiene das mãos, pois a vacina é a melhor arma contra as doenças infectocontagiosas, mas no meio de uma pandemia como vivemos, ela não pode ser a única. Temos que ter a participação social, caso contrário, estaremos sempre numa linha tênue entre o controle da pandemia e o caos que ela pode provocar.
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