Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Há fundamentos para quarta dose em idosos, seja qual for vacina que tomaram
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Recentemente foi anunciado que São Paulo aplicará a quarta dose (segunda dose de reforço) da vacina contra a covid-19 em idosos com 80 anos ou mais, fato que já vinha acontecendo para imunossuprimidos e imunodeprimidos.
Ao mesmo tempo que houve esse anúncio, existiu uma série de críticas, com a justificativa de que não haveria essa necessidade, a não ser que fossem os idosos que tivessem sido vacinados com as três doses da vacina CoronaVac. Além disso, a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) não recomenda a aplicação da segunda dose de reforço. Bom, dessa forma, precisamos discorrer sobre esse tema, levando em consideração os diversos aspectos técnicos e científicos, que é a parte mais importante, assim como as questões políticas e sociais.
No lado político, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) assumiu uma liderança regional e destoou do resto do Brasil. Isso pode soar como algo interessante, pois lutou pelo Estado que ele representa, e fez muito bem. Mas, ao mesmo tempo, afetou uma das principais qualidades do PNI (Programa Nacional de Imunização), que é a equidade.
Bom, caro leitor, você pode argumentar que os Estados devem procurar o melhor para o seu povo, principalmente pelo fato de não termos uma liderança federal que tenha prioridade humanitária. Mas eu digo a você que somos excelência, pois vacinamos muito bem sem gerar um apartheid vacinal. Além disso, não adianta um Estado vacinar com excelência, se tivermos outros locais sem a devida vacinação em ordem. Esses locais podem ser reservatório para o surgimento de novas variantes que consigam escapar das vacinas, mesmo que parcialmente, e afetar todos. E isso vale para todos os países.
Mas o fato é que o governo de São Paulo iniciou a aplicação da quarta dose em idosos e isso tem fundamento. Primeiro vamos levar em consideração que, essa correria do governo do estado para iniciar a dose de reforço tem relação com a aplicação da terceira para idosos, que começou no início de setembro. Dessa forma, já se passaram seis meses e, provavelmente, São Paulo é o primeiro estado a ter seus grupos de idosos "sem proteção vacinal" —embora isso precise ser melhor argumentado, pois é algo mais complexo.
O fato mais importante para citar aqui é a tão famosa imunossenescência. Nome bonito, não acham? Pois é, a imunossenescência é o chato envelhecimento do sistema imunológico. Quando vamos envelhecendo, acontece um progressivo declínio da efetividade do sistema imunológico também, que expõe o nosso organismo a uma maior suscetibilidade a infecções, por exemplo.
Esse envelhecimento afeta a imunidade num todo, no entanto, a principal parte da imunidade afetada é a imunidade adquirida, como aquela relacionada à produção de anticorpos, assim como as células T. E, falando em células T, tem um órgão muito importante que praticamente desaparece com a idade elevada da pessoa, que é o timo. Essa é a peça chave para a diminuição da funcionalidade do sistema imunológico, pois as T que são produzidos na medula óssea precisam migrar para o timo para amadurecerem e se transformarem em linfócitos T, para em seguida entrarem na circulação e chegarem nos tecidos linfoides efetores, onde pode acontecer a resposta imunológica. Com a atrofia do timo, as células T não serão maturadas e, consequentemente, a produção de outros componentes do sistema imunológico é afetada. Dessa forma, os idosos precisam de uma atenção muito especial, quase como se fossem do grupo dos imunodeprimidos.
Como supracitado, por ter sido o primeiro estado a vacinar com a primeira dose de reforço, São Paulo é, também, o primeiro estado que pode sofrer com a "queda da imunidade" que a vacina induz. Estipula-se uma imunidade protetora, em média, de seis meses, mas essa regra é bastante limitada, pois não leva em consideração os diversos aspectos do sistema imunológico, que não é apenas feito de anticorpos neutralizantes, além da resposta imune gerada nas diversas aplicações vacinais. Por exemplo, a imunidade de seis meses foi a partir da segunda dose, mas não tem como garantir, sem averiguação científica profunda, que a resposta será a mesma para a terceira dose.
Com tudo isso, surgiu um questionamento, além das observações técnicas para iniciar a quarta dose da vacinação: será que essa antecipação não está relacionada com a liberação do uso da máscara no estado de São Paulo?
Pois a situação da pandemia ainda não garante tanta segurança ao liberar o uso da máscara. Dessa forma, se antecipar a vacinação e a circulação do coronavírus começar a aumentar, como está acontecendo em países da Europa e Ásia, por exemplo, a vacina pode evitar que aconteça algum desastre, ou seja, que a gente possa perder mais vidas, em especial dos idosos.
Outro ponto que vale ressaltar é que, com tantas desinformações, tem surgido discussões e afirmações de que apenas quem tomou a CoronaVac que precisa da quarta dose. E não é bem assim, pois com o aparecimento da ômicron, todas as vacinas sofreram com a sua capacidade de proteção. E cada vacina tem boas características que podem ser muito bem exploradas, assim como têm deficiências.
Por exemplo, a vacina da Pfizer/BioNTech, que usa a tecnologia de mRNA, é muito eficiente, mas pode gerar reatogenicidade causada pelos componentes vacinais, com maior desconforto e até reações alérgicas mais elevadas do que as outras vacinas, embora não seja exclusiva dessa tecnologia. A vacina CoronaVac é aquela que não tem muitas surpresas, funciona e já conhecemos sua tecnologia muito bem. Porém, ela tem pouca eficiência para gerar imunidade celular, ou ativação das células T, que, por conseguinte, diminui a eficácia vacinal.
Em relação às vacinas de vetores virais (AstraZeneca e Janssen), ela vai diminuindo sua eficácia com sucessivas aplicações, pois acontece a imunogenidade contra o vetor viral, com isso, o sistema imune impede que a vacina complete todo o seu "ciclo" de produção da proteína spike do coronavírus, dessa forma, a vacina passa a funcionar com menor eficácia (discuto esses temas em diversas matérias aqui em minha coluna do VivaBem).
Dessa maneira, podemos aproveitar todas as melhores características de cada vacina, por exemplo, através do intercâmbio (mistura) vacinal. Por isso, não faz sentido o Ministério da Saúde, por exemplo, dispensar qualquer vacina. Além disso, precisamos ter cuidado para não voltarmos a estimular os sommeliers de vacinas.
Mas qual motivo que a Opas não recomenda a dose de reforço?
Bom, existem diversos fatores, mas tem um que a OMS (Organização Mundial da Saúde) tem chamado bastante atenção, que se refere à concentração e aplicação de vacinas apenas em nações que têm altos recursos financeiros. Sendo que, para controlar a pandemia, a gente precisa de imunização global.
Por fim, realmente, há motivos para que a vacinação com a quarta dose em idosos aconteça. Embora, o mais correto seria ter a equidade vacinal, para salvarmos vidas sem priorizar a autopromoção, apesar de ser um delírio eu falar isso, em especial em tempos de eleição.
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