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Gustavo Cabral

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Child life specialist' ajuda a evitar traumas infantis durante tratamentos

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

25/10/2022 04h00

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Sempre discutimos a importância das crianças para o futuro do país e da humanidade. Mas, muitas vezes, a garotada é esquecida e deixada sem o devido suporte para ter uma vida saudável no presente. Então, como pensar em futuro digno, se negligenciamos a saúde infantil no presente?

Vale ressaltar que não estou falando de saúde no contexto ultrapassado (de não ter doença), mas sim no entendimento moderno e muito bem conceituado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que define saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não somente ausência de afecções e enfermidades".

Pensando assim, precisamos buscar estratégias para proporcionar as devidas condições para que as criançadas tenham uma atenção correta em todos os seus momentos.

Uma experiência que costuma ser traumática é quando há a necessidade das crianças passarem por procedimentos de saúde e permanecerem no hospital. Para minimizar problemas, tem crescido a inserção de profissionais que levam atividades lúdicas para os hospitais, com diversos tipos de brincadeiras, além de música, teatro, leitura de livros etc. Isso é ótimo e mostra que estamos no caminho certo.

No entanto, uma profissão que não é comum aqui no Brasil é o "child life specialist", que são especialistas no desenvolvimento infantil e de forma adequada à idade da criança durante acompanhamentos médicos e internações. Esses especialistas são fundamentais para que a garotada consiga enfrentar, por exemplo, procedimentos de saúde que podem deixar traumas terríveis na infância de muita gente.

A ideia do "child life specialist" é minimizar a tensão, o estresse e a ansiedade da criança ao máximo durante um tratamento de saúde, para que no pós-tratamento o pequeno possa retornar à sua rotina sem traumas que dificultem a socialização e a construção de uma vida saudável e feliz. Vale ressaltar que esses profissionais não atuam apenas com a garotada, pois o trabalho é integrado com a família da criança.

Conversei com Chantelle Bennet e Deborah Spencer, especialistas americanas que vieram ao Brasil treinar profissionais para atuar com o programa "Child Life" no Hospital Infantil Sabará. Além de falar com elas, eu me reuni com a Dra Sandra Mutarelli Setúbal, que é doutora em química pelo Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) e a "mãe" desse projeto no Sabará, pioneiro em nosso país.

Abaixo, compartilho parte do papo que tivemos:

- Gustavo Cabral Geralmente, quando falamos de profissionais responsáveis pela saúde infantil, pensamos em pediatria. No entanto, vocês vieram ao Brasil para treinar pessoas para atuarem como "child Life specialist". Quais os diferenciais desses especialistas no programa de saúde da criança?

Chantelle Bennet e Deborah Spencer O "child life specialist" trabalha com o objetivo de minimizar o estresse da criança e evitar eventos traumáticos que a impeçam de lidar com a sua situação.

- Gustavo Cabral Quais são as melhorias que um "child life specialist" pode trazer para um hospital pediátrico?

Chantelle Bennet e Deborah Spencer O "child life specialist" aqui no Brasil é diferente dos EUA. A especialidade existe nos EUA desde a década de 1960. Sandra trouxe o programa para o Brasil há 10 anos. Nos EUA, o "child life" é muito popular e é obrigatório que o especialista faça alguns cursos. Você precisa de dois anos de treinamento antes de poder capacitar outras pessoas. Nós temos muita sorte de ter essa parceria com a Sandra, pois o programa não é comum fora dos EUA. Sair do nosso país para treinar pessoas em outros lugares pode ser muito caro".

- Gustavo Cabral Sandra, você trouxe o programa para o Brasil, mas para um hospital privado e referência em saúde infantil. Pensando nas pessoas que contam somente com o SUS, você imagina que seja possível ampliar o trabalho para o serviço de saúde pública?

Sandra Mutarelli Setúbal Minha estratégia é treinar o time do Sabará, nos fortalecendo e pagando os cursos para o time no exterior. Quando vamos para o SUS, é muito diferente, pois é um programa muito caro. Nós vamos ter nosso grupo treinado, cobrindo todas as áreas da instituição. Eu já conversei com a CEO do Instituto da Criança para levar para o SUS. Ela ficou interessada no assunto, mas precisamos ter um programa forte por aqui antes, para depois expandi-lo."

Gustavo Cabral Chantelle e Deborah, qual mensagem vocês querem deixar sobre o "child life specialist" e as experiências de vocês aqui e em outros países?

Chantelle Bennet e Deborah Spencer É importante saber que nos EUA nem todos têm acesso ao serviço de saúde. Mas, por que ter "child life specialists" no Brasil? Nós temos muito o que fazer, mas vocês estão focados no tema. E há tantas evidências sobre o resultado do trabalho que você (Gustavo Cabral), como pesquisador, iria adorar. A proximidade do Sabará com o Instituto PENSI pode trazer grandes avanços em pesquisa. E nós precisamos disso.

Nós podemos fazer com o que o cuidado de saúde seja emocionalmente seguro para as crianças. Nós podemos melhorar os resultados de saúde no Brasil, pois, se tornarmos o processo de cuidado mais tranquilo desde criança, o adulto cuidará melhor de sua saúde.

Se as crianças enxergam o tratamento com medo e insegurança, há traumas. Elas não poderão enfrentar os cuidados de saúde quando adultos. Eu não me refiro apenas a tratamentos ou cuidados hospitalares, digo também sobre saúde bucal, por exemplo.

As crianças ficam traumatizadas, pois são seguradas, pressionadas e ficam assustadas. Temos que treinar e capacitar não só os profissionais da saúde nos hospitais e nas clínicas, mas também os pais e responsáveis, para evitar que essas atitudes traumatizem as crianças. Só para se ter uma ideia, 10% dos americanos não procuram os serviços de saúde pelo fato de terem passados por traumas na infância".