Gustavo Cabral

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Variante do vírus da raiva no Ceará liga alerta: doença é bastante letal

Um recente estudo, conduzido por Ricardo Durães-Carvalho, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e apoiado pela Fapesp, encontrou em morcegos do Ceará variantes do vírus da raiva relacionadas com variantes presentes em saguis-de-tufo-branco.

A descoberta, divulgada no periódico científico Journal of Medical Virology, dispara um alerta importante.

O vírus da raiva é mortal para humanos e nós, brasileiros, já passamos por momentos terríveis por causa dessa doença.

No Brasil, conseguimos controlar a raiva com a vacinação e outras estratégias de combate à infecção. Não podemos voltar a perder vidas para uma virose que é evitável.

É importante explicar que o vírus da raiva não é exclusivo do homem. Há diversos outros reservatórios (animais) silvestres que fazem com que tenhamos um alerta contínuo ao vírus da raiva, principalmente devido ao desequilíbrio ambiental que modifica e destrói ambientes adaptados para determinadas espécies. Consequentemente, alguns vetores de agentes causadores de doenças, como os vírus, vão buscar novos ambientes para sobreviver, facilitando o contato com a espécie humana.

No estudo liderado por Durães-Carvalho, é feito um alerta para a circulação no ciclo selvagem de uma variante do vírus da raiva, que também é mortal para seres humanos. Inclusive, a doença atingiu um jovem agricultor de 36 anos, que morreu no Ceará, poucos meses após ser mordido por um primata.

Antes de continuar a falar da raiva, é importante alertar que não é com a matança de animais silvestres que são possíveis vetores da raiva que evitaremos a transmissão do vírus. Inclusive, pode ocorrer o contrário. Ao sair à caça desses bichos, podemos favorecer ainda mais o contato e difusão do vírus para a espécie humana e outros organismos que podem se tornar vetores virais.

Vejam como as coisas estão totalmente relacionadas. A variante do vírus da raiva encontrada em morcegos tem relação com variantes presentes em Callithrix jacchus, nome científico e difícil de aprender do sagui-de-tufo-branco, que são muito comuns em áreas silvestres e também urbanas.

Segundo a notícia da Agência Fapesp, até agosto deste ano, foram encontrados sete saguis com resultado positivo para a raiva.

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No Ceará, a doença é endêmica. Lá, há um histórico de humanos agredindo saguis e de mortes por raiva. "Uma delas ocorrida em maio", contou Larissa Leão Ferrer de Sousa, servidora no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), em Fortaleza, e doutoranda na EPM-Unifesp.

Para nos aprofundarmos um pouco mais sobre o estudo científico, fiz algumas perguntas ao Ricardo Durães-Carvalho. Confira a seguir:

Quais as semelhanças entre as variantes dos vírus encontradas em morcegos e saguis-de-tufo-branco e o vírus da raiva transmitido para seres humanos através da mordida de cães infectados?

Ricardo Durães-Carvalho - No geral, essas variantes apresentam distintos padrões antigênicos. No estudo, as semelhanças encontradas entre as variantes detectadas em morcegos intimamente próximas com as dos saguis-de-tufo-branco, do ponto de vista genético, são em torno de 93% a 94%.

Mas vale ressaltar que qualquer mamífero está suscetível à infecção por esse vírus. Respondendo mais precisamente, existem relatos de transmissão da raiva humana por gatos, cães, bovinos, raposas, morcegos e primatas.

Quais os sintomas provocados pela infecção dessas variantes virais? Além disso, qual o percentual de fatalidade? Para evitar a morte, quando alguém é infectado, quais as ações que devemos tomar?

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Ricardo Durães-Carvalho - Normalmente, os sintomas envolvem mal-estar, febre, dor de cabeça e de garganta, náuseas e irritabilidade, evoluindo para um quadro neurológico agudo. À medida que a infecção progride, manifestações mais graves vão acontecendo.

Após o aparecimento dos sintomas, a taxa de letalidade é em torno de 100%. Por isso, logo após o contato com o animal suspeito, como uma forma preventiva, o indivíduo deve tomar o quanto antes o soro e a vacina antirrábica, procedimento popularmente conhecido como profilaxia pós-exposição.

O estudo que você liderou foi feito com a análise de 144 amostras de tecido retirado do cérebro de morcegos, que pertencem a 15 espécies. Esse material foi obtido do Lacen do Ceará e está vinculado ao programa nacional de vigilância epidemiológica. Como os profissionais obtém essas amostras? E qual a importância da população nesse tipo de pesquisa?

Ricardo Durães-Carvalho - Esse trabalho foi conduzido em colaboração com a servidora do Lacen Larissa L. Sousa, estudante de doutorado no meu grupo de pesquisa aqui na Escola Paulista de Medicina da Unifesp.

As amostras foram obtidas por meio de um sistema de vigilância que nós chamamos de vigilância epidemiológica passiva. Em termos mais simples e já respondendo a outra pergunta, isso significa que os morcegos (ou outros animais silvestres) que apresentam comportamentos fora dos padrões, mortos e/ou caídos no chão, geralmente são alertados pela população que comunicam os órgãos competentes por realizar a coleta e encaminhar os animais para análise.

Vale reforçar que as pessoas que tiveram qualquer contato com esses animais devem procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde), para a realização do tratamento preventivo contra a raiva.

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Qual a importância da interação das universidades, prefeituras, Estados, Federação e a população para que os estudos sejam mais eficientes e possam contribuir para salvar vidas e preservar o meio ambiente?

Ricardo Durães-Carvalho - Acredito que essa interação possa ser proeminente no fortalecimento de campanhas informativas, por meio de linguagens efetivamente acessíveis, campanhas de vacinação dos animais domésticos (cão e gato), conscientização e respeito da população com relação à fauna silvestre e com o meio ambiente como um todo.

Acho que a informação passada de forma clara para a população possa contribuir na diminuição das estatísticas fatalmente causadas por este vírus. Não posso deixar de salientar também que o investimento e desenvolvimento em pesquisa científica, por meio das universidades e institutos de pesquisas, também é de extrema importância na contribuição da descoberta de métodos que possam ser utilizados na prevenção e terapias anti-raiva, entre outras doenças de afetam a sociedade.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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