Infecção por zika pode aumentar risco de ter dengue grave; entenda relação
Recentemente, um artigo da Agência Fapesp divulgou os resultados de um estudo que mostra que ter sido infectado pelo vírus zika aumenta o risco de a pessoa ter dengue grave, caso contraia o vírus.
Como as duas viroses transmitidas pelo Aedes aegypti são muito comuns em nossas vidas —em 2023, inclusive, houve um aumento de 15% nos casos de dengue no Brasil— acredito ser muito importante entender a relação entre as doenças.
Já era sabido que subsequentes infecções por diferentes sorotipos de dengue tendem a aumentar o risco da doença. Quando nos infectamos com o sorotipo do dengue 1, por exemplo, nos tornamos imunes a uma possível nova virose provocada por esse tipo de vírus. Porém, se nos infectarmos com o sorotipo 2 do vírus da dengue, a doença tende a ser mais grave.
Lembrando que conhecemos quatro sorotipos do vírus da dengue, dessa forma, infecções múltiplas com diferentes sorotipos do vírus podem acontecer e ser extremamente perigosas, como é o caso da dengue hemorrágica.
Infelizmente, a pesquisa publicada na revista científica "Plos Neglected Tropical Diseases" mostra que ter zika também aumenta o perigo ao contrair dengue futuramente.
O estudo científico investigou amostras de mais de mil pacientes com dengue que já tinham sido infectados anteriormente pelo zika. E foi visto que a infecção prévia foi um agravante para o desfecho do caso de dengue.
O que explica esse maior risco?
Os dois vírus fazem parte do gênero Flavivirus --num linguajar supersimples, podemos dizer que são primos parecidos. Com essa correlação "familiar", eles têm uma relação genética que pode favorecer ao acometimento da doença grave.
Isso porque a infecção prévia pelo zika gera anticorpos capazes de reconhecer os sorotipos do vírus da dengue, mas esses anticorpos não têm potencial de neutralizar o vírus da dengue.
Ao ser infectado pela dengue após ter já tido zika, o organismo reconhece o vírus da dengue e começa a produzir os mesmos anticorpos para zika. Mas, como os anticorpos não neutralizam o vírus da dengue, ele segue se replicando, enquanto o organismo segue fabricando os anticorpos não neutralizantes.
No artigo da Fapesp é sugerido que o aumento da gravidade da dengue se dá justamente por ativação de células T (cuja função, uma delas, é auxiliar a produção de anticorpos). Esse é o chamado "pecado antigênico original", ou seja, quando células T produzidas durante uma infecção anterior estimulam a produção de mais linfócitos no momento em que uma nova infecção acontece.
Como não são específicos para destruir o vírus da dengue, eles acabam induzindo uma produção descontrolada de citocinas inflamatórias, que atacam as proteínas do corpo e provocam danos aos tecidos do organismo e até hemorragias.
Simplificando, a resposta imunológica que foi ativada pela infecção prévia com o vírus zika será superativada com uma infecção posterior com o vírus da dengue. Porém, ao invés da resposta acontecer de forma específica, com a ativação dos componentes imunológicos que vão combater a dengue, na verdade ele vai atacar de forma intensa células do organismo, causando dano no corpo.
O que fazer então? No caso das viroses, prevenção é sempre o melhor caminho.
Volto a dizer que estamos falando de vírus com circulação preocupante em ambientes urbanos, que precisam ser combatidos com estratégias integradas para controle dos vírus da zika, dengue e chikungunya.
Conforme um trabalho que publicamos recentemente na revista científica "Frontiers in Immunology", isso deve ser feito com uma abordagem abrangente, que integre a investigação antiviral, a vacinação e o controle dos vetores (mosquistos que transmitem os vírus).
Precisamos usar todas as estratégias possíveis para lutarmos contra essas e outras viroses que acometem a sociedade e causam um dano enorme à saúde pública.
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