Gustavo Cabral

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Opinião

A relação entre mudanças climáticas e doenças neurológicas, como o AVC

Temos discutido sobre os diversos impactos que as mudanças climáticas causam na vida, como um todo. Mas, geralmente temos uma atenção nos acontecimentos catastróficos, como a tragédia no Rio Grande do Sul. E nesse momento há muitas questões que precisam ser levantadas, por exemplo, qual o impacto das mudanças climáticas, aquecimento global e catástrofes ambientais nas doenças neurológicas e psiquiátricas?

Estudo recente publicado na revista científica Lancet Neurology tratou deste assunto de uma forma muito interessante e se propôs a responder perguntas como esta levantada aqui, por meio de uma revisão da literatura. Além desse trabalho, para ampliar a compreensão sobre esse tema, dialoguei com o dr. René Gleizer, médico neurologista especialista em neurologia da cognição e do comportamento pelo Hospital das Clínicas da USP, buscando insights adicionais sobre o assunto.

O impacto na saúde da população mundial é evidente com a mudança drásticas das temperaturas, principalmente das pessoas que vivem em países menos desenvolvidos, geograficamente mais susceptíveis aos impactos dos acidentes climáticos.

Já são bem conhecidas as ondas de calor que provocam a morte de idosos por desidratação, as infecções por germes oportunistas que se proliferam em condições alteradas de umidade e temperatura, a disseminação de insetos transmissores de doenças virais, causadores de epidemias atuais como da dengue.

Tais eventos climáticos extremos já citados podem contribuir diretamente com o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos agudos e crônicos, incluindo ansiedade, estresse pós-traumático e depressão.

Mas qual seria a relação entre as mudanças climáticas e as outras doenças neurológicas e psiquiátricas adicionalmente?

Nesse sentido, para compreender melhor os diferentes aspectos desse tema, trago algumas respostas do Dr. René Gleizer a perguntas que fiz.

Como o nosso organismo consegue se adaptar a mudanças climáticas tão abruptas sem permitir que congelemos no frio ou superaqueçamos no calor?

Dr. René Gleizer: Além das catástrofes ambientais, os seres humanos têm uma capacidade limitada para se adaptar a mudanças de temperaturas extremas. Nosso centro termorregulador cerebral que garante ao organismo funcionar em temperaturas ideias, na presença de temperaturas elevadas, ele promove um aumento da sudorese e vasodilatação cutânea, permitindo a perda de calor e o resfriamento do corpo. Enquanto que na presença de temperaturas muito baixas, esse mesmo "termostato natural" realiza vasoconstrição e preservação do calor e da temperatura corporal, evitando o nosso resfriamento.

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Qual a relação entre mudança climática e as doenças neurológicas e psiquiátricas?

Dr. René Gleizer: O número de mortes anuais relacionadas com o calor em adultos com mais de 65 anos aumentou 85% entre 1991-2000 e 2013-2022. Por volta de 23% destas mortes estão diretamente relacionadas doenças neurológicas ou psiquiátricas. A presença de doenças neurológicas prejudica a capacidade de termorregulação e adaptação a mudanças climáticas intensas. Desta forma, contribui para o impacto mais grave na saúde dos indivíduos com tais patologias.

Qual a relação da mudança da temperatura e o "derrame" ou AVC, umas das principais causas de incapacidade e mortalidade no Brasil?

Dr. René Gleizer: O aumento da temperatura corporal e consequente aumento da produção de suor e perda de líquido corporal promove desidratação, que associado à vasodilatação na pele promove aumento da viscosidade do sangue e predisposição à formação de coágulos e trombos.

Quando estes coágulos ocluem, as artérias cerebrais podem causar o acidente vascular cerebral isquêmico (derrame por infarto cerebral). Já a redução abrupta da temperatura do ambiente causa vasoconstricção dos vasos —os vasos se fecham para prevenir a perda de temperatura e conservar a calor corporal. Consequentemente, aumenta a pressão arterial e predispões a ruptura de vasos sanguíneos que quando ocorre no encéfalo causa sangramento (derrame cerebral hemorrágico).

Quais outras doenças neurológicas e psiquiátricas são mais vulneráveis ao aumento da temperatura global e por quê?

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Dr. René Gleizer: Pacientes com demência têm menor recurso cognitivo e capacidade intelectual para se prepararem e se adaptarem a mudanças de temperatura. Parece ser quase instintivo que, com o aumento da temperatura, as pessoas procurem ficar em locais mais frescos, tomem mais líquido e usem roupas leves. Porém, esse raciocínio "simples" pode não estar mais presente, a depender do grau de demência. Aqueles que sofrem de enxaqueca e epilepsia podem ter piora dos sintomas de forma aguda. Enquanto os pacientes com Parkinson ou esclerose múltipla costumam se queixar de piora da fadiga e descompensação do quadro neurológico, como queixas motoras e dificuldade para andar. Adicionalmente, os portadores de doenças psiquiátricas como depressão, ansiedade, transtorno bipolar do humor e esquizofrenia pioram frequentemente das queixas de humor e psicose, inclusive com aumento da necessidade de internação hospitalar devido ao aumento da temperatura ambiente.

O que pode ser feito para evitar a piora da saúde destes indivíduos com doenças neurológicas e psiquiátricas?

Dr. René Gleizer: Um sinal de alarme deve ser comunicado aos cuidadores destes indivíduos e aos profissionais de saúde, alertando sobre mudanças abruptas na temperatura e umidade do ar. Dessa forma, torna-se possível tomar medidas preventivas, antecipando possíveis pioras dos sintomas. É importante climatizar o ambiente no intuito de manter a temperatura domiciliar estável e agradável, aumentar a hidratação e evitar a prática de atividade física mais extenuante nos dias mais quentes, além de adequar as vestimentas ao clima. Tudo isso permite preservar a saúde e evitar idas desnecessárias aos hospitais, ou até mesmo reduzir a mortalidade destas pessoas mais vulneráveis as oscilações térmicas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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