Topo

Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pray Away: terapias de conversão não funcionam e causam ainda mais dor

iStock
Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

01/09/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Com a chegada de setembro, mês em que acontece a campanha de prevenção ao suicídio, um documentário recém-lançado pela Netflix joga luz em um aspecto muito importante: a saúde mental da população LGBTQIA+.

Diversos estudos revelam que essa população é mais vulnerável do ponto de vista de saúde mental em função de preconceito, intolerância, bullying, exclusão social e violências diversas, que acabam prejudicando a autoestima e dificultando o processo de autoaceitação. Há um maior risco de quadros de depressão, transtornos de ansiedade e abuso de álcool e outras drogas, que por sua vez estão entre as principais causas do suicídio. Por isso, é tão importante olhar com cuidado para essa situação.

Nesse sentido, o filme norte-americano "Pray Away" aborda uma discussão bastante atual: as terríveis consequências de programas ou terapias de "conversão", chamados popularmente de "cura gay".

Não funcionam e causam dor

As dificuldades que pessoas LGBTQIA+ encontram para serem aceitas em suas comunidades —e as dificuldades que enfrentam para aprender a lidar com os próprios sentimentos— fazem parte de um longo processo que pode causar sofrimento emocional e aumento de risco de suicídio. As supostas terapias de reparação ou conversão, além de não funcionarem (claro) provocam ainda mais dor.

Não há processo que mude a direção do desejo sexual de uma pessoa (é o desejo que nos conduz, não o contrário) e muito menos a identidade de gênero (essa é matriz da nossa identidade, a forma como nos percebemos). Terapias de conversão são tentativas impostas para tentar mudar a orientação sexual ou a identidade de gênero de alguém por meio de um líder religioso, um terapeuta ou um grupo de suporte.

"Pray Away" narra a história de um grupo de jovens evangélicos que criou, nos anos de 1970, um grupo de estudos da Bíblia focado em ajudar as pessoas a mudarem seu desejo ou sua identidade. Em pouco tempo transformou-se em uma grande organização, a Exodus International, com filiais em vários países. Estima-se que mais de 700 mil norte-americanos tenham passado pelos seus programas de conversão.

Anseio de se encaixar

Interessante perceber que a Exodus não nasceu de uma imposição de cima para baixo, mas do anseio daqueles jovens de tentar mudar, de se encaixar, possivelmente para atender às pressões de uma sociedade que lida muito mal com a diversidade. O objetivo era: já que sentir atração por alguém do mesmo sexo era algo errado do ponto de vista religioso, talvez fosse possível que, com ajuda mútua, suporte e orações, eles conseguissem se livrar daquele "jeito de ser".

Muitos dos jovens realmente deixaram de "ter um estilo de vida homossexual", ou seja, deixaram de ir a bares gays e de se relacionar com pessoas do mesmo sexo. E inclusive formaram família, nos moldes da Igreja. Mas o desejo, a atração sexual, de fato, nunca mudou. Eles continuavam a sentir o desejo que tentavam calar.

Um dos casos mais emblemáticos do filme é o de John Paulk, que se casou com uma "ex-lésbica" —o casal era uma espécie de cartão de visita da direita religiosa e aparecia em diversos programas de TV e capas de revista. Um dia ele bebeu demais e entrou em um bar gay, porque naquele momento precisava estar em um ambiente com pessoas que sentiam como ele! Suas fotos acabaram vazando e o episódio se transformou em um escândalo nacional.

Algumas das vítimas de terapias de conversão criaram o Trevor Project, que faz um trabalho incrível de pesquisa sobre saúde mental LGBTQIA+.

STF proíbe terapias de conversão

Vale lembrar que aqui no Brasil vários grupos de psicólogos religiosos já tentaram autorização para efetuar a "cura gay" em seus consultórios. A prática é condenada pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) e a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2020, manteve a prática suspensa em todo o País.

Como orientação sexual e identidade de gênero são possibilidades e características humanas, e nunca transtornos ou doenças, é um absurdo que se ofereçam processos para tentar mudá-las"

Por último, um dos pontos mais importantes do filme é como a autoaceitação talvez seja a questão mais sensível de todas! E o documentário toca numa questão delicadíssima, que é a de ser LGBTQIA+ e cristão ou religioso. Porque, assim como a gente não controla para onde vai o nosso desejo, fé nem sempre é uma escolha. Então, não é só uma questão de não ser aceito pela família ou pela comunidade, mas é o temor de não ser aceito por Deus! É muito mais complexo e difícil! Por isso demora tanto tempo para as pessoas que tentam se converter entenderem o que estavam fazendo com elas mesmas. E essa percepção pode ser muito dolorosa.

Como parte das ações preventivas do Setembro Amarelo, é muito importante focar na saúde mental de todos brasileiros. Foram quase 13 mil suicídios no Brasil em 2020, quase um a cada 40 minutos. Cuidar de todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero é um dever de todos nós. O preconceito é um grande entrave à saúde mental. Faça sua parte para um mundo melhor para as futuras gerações!

Para saber mais sobre saúde e comportamento, acesse meu site: doutorjairo.uol.com.br.