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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pandemia aumentou o uso de medicamentos psiquiátricos pelos jovens

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

07/09/2022 04h00

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Que a pandemia mexeu com a saúde mental dos mais jovens não é novidade. Diversos estudos feitos no Brasil e no mundo apontam essa tendência. Bom lembrar que eles já vinham enfrentando ansiedade, depressão, episódios de automutilação e tentativas de suicídio em níveis preocupantes mesmo antes da covid-19. O estresse e as oscilações emocionais gerados pelo isolamento social e o afastamento da escola parecem ter potencializado essa situação.

Agora, quase dois anos e meio depois do início dos primeiros casos do novo coronavírus, o que se percebe é um número crescente de jovens enfrentando dificuldades emocionais, transtornos mentais e usando múltiplos medicamentos psiquiátricos, muitos deles pouco testados em crianças e adolescentes.

Um especial recente do jornal The New York Times mostra como o fenômeno do uso simultâneo de múltiplos remédios psiquiátricos alcançou uma escala preocupante nos Estados Unidos.

Exageros na prescrição

É claro que medicamentos corretamente prescritos têm um efeito poderoso no alívio de sintomas graves, no tratamento de transtornos alimentares, na estabilização de humor e de fortes oscilações emocionais e na diminuição dos riscos de autoagressão, (incluindo tentativas de suicídio), só para ficar em alguns dos quadros mais comuns entre os adolescentes.

Mas exageros na prescrição têm ocorrido no mundo todo, inclusive para tratar questões que poderiam ser bem atendidas por abordagens psicoterápicas e por redes de apoio bem estruturadas. Muitos profissionais acabam cedendo às pressões de familiares por um jeito mais prático e rápido de resolver uma dificuldade emocional dos jovens.

Recentemente, um diretor de uma escola privada me confidenciou que estava alarmado com a quantidade de remédios psiquiátricos (e de alunos medicados) que estavam sob sua responsabilidade naquele momento.

Faltam evidências de segurança

Combinações de antidepressivos para potencialização da resposta, ansiolíticos, estabilizadores de humor, remédios para controlar ansiedade e hiperatividade, indutores de sono, reguladores de impulsividade são só alguns dos exemplos do arsenal que vem sendo utilizado.

Um estudo recente mostra que alguns dos medicamentos amplamente usados em crianças ainda têm pouca evidência de segurança nessa faixa etária. Alguns dessas drogas não foram aprovadas para menores de 18 anos e não se conhece bem o impacto de longo prazo de várias dessas combinações no desenvolvimento cerebral dos mais jovens.

Muitos dos medicamentos que deveriam ser usados por um curto período de tempo (semana sou meses) ou apenas sob acompanhamento próximo do médico acabam sendo incorporados ao cotidiano de crianças e adolescentes, mesmo com efeitos colaterais importantes para os jovens nessa fase da vida, como ganho de peso, alterações na pele, disfunções sexuais e interferência no desenvolvimento reprodutivo, sem contar o risco de quadros psicóticos (fases de mania, por exemplo) e comportamento suicida.

Com o reverter a "polifarmácia"?

O fenômeno do uso simultâneo de remédios psiquiátricos para os mais jovens não começou na pandemia, mas tem chamado mais atenção pela sua frequência nesse período. O que poderia ser feito para tentar frear essa tendência?

Discutir alternativas como adoção de um estilo de vida mais saudável (com a prática regular de atividade física), menos tempo online, melhor qualidade de sono, acesso facilitado à psicoterapia, maior rede de apoio familiar e dos amigos e estratégias desenvolvidas pelas escolas para trabalhar questões de autoconhecimento e gestão das emoções pelos mais jovens, talvez pudesse diminuir a necessidade do uso frequente e regular de muitos desses medicamentos.

O ideal seria que pais e profissionais se entendessem melhor sobre as situações em que as medicações são realmente necessárias, o respeito ao tempo limitado de uso (salvo exceções) e os controles periódicos para que elas possam ser empregadas com maior segurança e eficácia.