Memes com Bieber não ajudam discussão sobre saúde mental

Justin Bieber se apresentou no Rock in Rio no último domingo (4) e, em seguida, cancelou o restante da turnê "Justice World Tour" que faria na América Latina, com dois shows em São Paulo, nos dias 14 e 15 de setembro, além de Chile e Argentina. O cantor, vem enfrentando problemas com sua saúde física e mental, o que fez com que muita gente questionasse até mesmo sua apresentação no final de semana.

Mesmo tendo encarado suas dificuldades e limitações atuais, viajado ao país, cantado para milhares de pessoas e enviado uma carta aos fãs em que explicava que deu tudo de si no show e que precisava agora descansar e priorizar sua saúde, Bieber foi alvo de incontáveis postagens que zombavam da sua aparência e da sua disposição. Jornais, sites e revistas repercutiram o burburinho das redes e chegaram até a eleger os melhores "memes" sobre o cantor.

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Como psiquiatra acredito que essa não foi uma trend nada bacana, nem muito menos engraçada. Explico! Bieber está claramente em sofrimento psíquico (dito por ele mesmo). Ao fazer piadas e brincadeiras com o que ele enfrenta e sente, presta-se um tremendo desserviço no combate aos estigmas e tabus que cercam a saúde mental.

Setembro Amarelo

Isso em um país que, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é um dos mais ansiosos e deprimidos do mundo, e justamente em pleno mês do movimento "Setembro Amarelo" , em que uma série de ações comandas pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) discute a importância de se investir em saúde mental como forma de prevenção ao suicídio.

Lembrando que o suicídio ainda é uma importante questão de saúde pública e a quarta principal causa de morte na faixa etária de 15 a 29 anos, com cerca de 1 milhão de vidas perdidas todos os anos no mundo, 14 mil delas aqui no Brasil (cerca de 38 mortes por dia).

O que os profissionais da área vêm tentando fazer há décadas é ampliar a discussão sobre saúde mental, romper a negação e o silenciamento que muita gente tem em relação ao tema e estimular que as pessoas busquem ajuda quando necessário.

Fama, bullying e depressão

Não é a primeira vez que Bieber enfrenta questões de saúde mental. Em 2020, ele já havia revelado no documentário "Justin Bieber: Next Chapter", que teve pensamentos suicidas na adolescência em função de um quadro de depressão, desencadeado pela pressão da fama e pelo bullying.

Em 2019, Bieber afirmou ter a Doença de Lyme, provocada pela bactéria Borrelia, transmitida pelo carrapato, de difícil tratamento. Ele também enfrentou uma mononucleose de longa duração, outra doença infecciosa, no mesmo período. Desde essa época, ele relata problemas de autoestima, cansaço, quadros de ansiedade, exaustão e sintomas depressivos.

Em 2022, Bieber recebeu o diagnóstico da Síndrome de Ramsay-Hunt, causada pelo mesmo vírus da catapora, o varicela-zóster, que pode levar a complicações como a paralisia facial. Estresse e ansiedade podem enfraquecer nosso sistema de defesa e fazer com que esse vírus ganhe força e se manifeste.

Depressão x cantar

Que os fãs me desculpem, mas não sei até que ponto alguém que está claramente em um estado de sofrimento emocional importante deveria encarar o desafio que é cantar no Rock in Rio. Em qualquer profissão, enfrentar exaustão e depressão é tremendamente difícil, mas quando se trata de um trabalho com nível de exposição absurda, como em um show ao vivo para milhares de pessoas, a sensação de vulnerabilidade emocional pode ficar muito potencializada.

Há muitos anos, em janeiro de 2011, assisti no Brasil o show de Amy Winehouse, que retornava aos palcos depois de anos lutando com questões de saúde mental e de consumo de drogas. Claramente, ela não estava nada bem. Em julho do mesmo ano, depois de se intoxicar com álcool, ela morreu em sua casa no norte de Londres.

As cobranças, a fama, a pressão econômica, a exposição e o bullying (inclusive nas redes sociais) podem ser gatilhos importantes para quadros de depressão e ansiedade. Em 2021, a ginasta olímpica Simone Biles deixou de disputar boa parte da Olímpiada de Tóquio porque estava enfrentando questões de saúde mental.

O surfista Gabriel Medina, também abandonou algumas provas do circuito esse ano por não estar bem do ponto de vista psíquico. Outro surfista brasileiro importante, Filipe Toledo, em primeiro lugar no ranking da WSL Finals vem lutando há anos contra a depressão. Ele falou publicamente sobre o assunto no documentário lançado esse ano "Make or Break: na crista da onda"
da Apple TV.

Por isso tudo, antes de publicar, curtir ou compartilhar piadas e memes que zombam da saúde mental dos outros, famosos ou anônimos, pense bem no impacto que isso pode ter na vida dessa pessoa e na desconstrução dos estigmas e tabus que ainda cercam esse tema.