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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Neymar x Casagrande: preconceito eleva barreiras para dependentes químicos

Neymar em ação com a camisa da seleção do Brasil - Catherine Steenkeste/Getty Images
Neymar em ação com a camisa da seleção do Brasil Imagem: Catherine Steenkeste/Getty Images

Colunista de VivaBem

12/11/2022 04h00

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Neymar curtiu um post de um perfil de humor que debochava do fato do ex-jogador Casagrande ser dependente de drogas. A curtida aconteceu depois de algumas críticas que o colunista do UOL Esporte teria feito em uma live sobre a postura do atacante da seleção fora do campo, e o impacto que essas condutas poderiam ter em seu desempenho na Copa do Mundo.

Casagrande reagiu à curtida de Neymar e se manifestou essa semana em sua coluna, afirmando que qualquer tipo de deboche com dependência química é uma perversidade. O ex-jogador conta que atravessou uma difícil jornada ao longo dos últimos anos, com muitas perdas, dores e sofrimento até chegar à abstinência arduamente conquistada.

Ele diz no texto não ter vergonha nenhuma de ser um dependente químico, e que hoje sente orgulho do esforço feito para sua recuperação. Já tive a oportunidade de participar de alguns debates e palestras junto com Casão para falar de dependência. O depoimento é sempre emocionante, contundente e corajoso. Essa liberdade de poder falar do tema sem tabus e medos foi talvez uma das maiores conquistas que o comentarista teve em sua vida!

Prazer em desqualificar o outro

Entendo pouco de futebol, mas já há algumas décadas me esforço para tentar compreender melhor as pessoas. Um pouco por isso, enveredei pelo estudo do comportamento humano e da psiquiatria. Não é tarefa fácil! E aqui no Brasil, principalmente nos últimos meses, arrisco dizer que essa tem sido uma missão complexa e desafiadora.

É doloroso perceber que a polarização política levou muita gente a radicalismos nunca antes tão explicitados no país. Racismo, homofobia, xenofobia e toda sorte de preconceitos ganhou espaço nas redes.

As pessoas esqueceram os limites e o bom senso, e partiram para agressões gratuitas. Se não se concorda com um ponto de vista, em vez de discutir, ataca-se. Há um certo prazer, um gozo, em desqualificar o outro.

Imaturidade para lidar com o contraditório, dificuldade em aceitar críticas, interpretações quase delirantes de uma realidade óbvia, tudo isso parece criar um caldo emocional que autoriza qualquer tipo de atrocidade —entre elas, violências e preconceitos. Não tenho dúvida que a visão política potencializa e amplifica essas questões.

E, novamente, ok discordar do outro em tudo que ele pensa e faz, desde que essas questões sejam tratadas com respeito. No jogo da democracia e do livre pensar, eu posso criticar o que você faz e você pode não concordar com minhas críticas, defendendo seu ponto de vista. Mas apoiar e curtir falas e conteúdos discriminatórios, preconceituosos ou debochados a respeito de uma doença ou de um comportamento não é nada legal!

Preconceito atrasa acesso à saúde

O que acontece é que esse preconceito dificulta a vida de todos (dependentes, familiares, amigos e da sociedade como um todo), criando barreiras adicionais para que as pessoas possam procurar ajuda quando necessário. Assim, ele afasta os dependentes do diagnóstico e tratamento, o que por si só já é bastante complicado.

Quando se trata de uma doença, reconhecida desde a década de 1960, em que as chances de recuperação hoje, com todos os recursos possíveis, estão em torno de 20% a 30%, o cenário fica ainda mais dramático. Além disso, a dependência química é uma das importantes causas de depressão e de suicídio.

Tudo isso poderia ser mais facilmente abordado se a sociedade entendesse a importância do suporte precoce e multifatorial. Nesse sentido, personalidades do calibre de Neymar dariam uma imensa contribuição social se apoiassem a causa, em vez de zombar de quem tem um problema grave de saúde. Tanta gente bacana, mundo afora, dá suporte a tantas questões de saúde, por que isso não pode ser verdade no caso da dependência?

Independentemente de posição política ou de rixas pessoais, reconhecer que em algumas situações a gente errou e passou do ponto é uma grande conquista pessoal. Não há nada de errado em pedir desculpas e corrigir o rumo, muito pelo contrário. É um sinal de grandeza e maturidade. Isso pode ajudar a gente a se tornar uma pessoa e um profissional melhor.

Na véspera de uma Copa, já cercada de tantas polêmicas em função de misoginia, homofobia e tantos outros preconceitos, atitudes que combatam a discriminação tornariam o mundo um lugar melhor. E um mundo melhor beneficia todos nós!