Topo

Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

56% de feminicídios são cometidos por parceiro ou parente: como mudar isso?

iStock
Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

30/11/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Novo relatório da ONU indica que parceiros íntimos ou outros familiares cometeram 56% dos feminicídios em 2021 no mundo todo. São maridos, ex-companheiros, pais, tios, irmãos e até mesmo filhos.

Enquanto a maioria dos homens assassinados morrem fora de casa, é no seio da família, na esfera privada, que as mulheres perdem suas vidas. No final do mês de novembro, em que a saúde masculina está em foco, vale uma reflexão sobre como a forma com que o homem lida com suas emoções e seu corpo, em pleno século 21, afeta diretamente a saúde e a vida das mulheres.

Essa dicotomia começa cedo. Em casa, ao criar meninos e meninas de formas distintas, boa parte dos pais reproduz modelos que reforçam as diferenças nos cuidados com emoções e saúde. Na escola, essa dualidade é reforçada pelas relações com os grupos sociais e ganha escala.

Garotos negligenciam emoções e saúde

Falar sobre o que se sente, compartilhar emoções e dificuldades, cuidar do corpo de maneira regular são questões muito mais focadas nas garotas. Dados da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), por exemplo, mostram que a chance de um menino procurar um médico na adolescência é 18 vezes menor do que a de uma menina se consultar com o ginecologista.

Enfrentar os problemas sozinho, negligenciar emoções e afetos, empurrar limites, aguentar dores e sofrimentos e trabalhar no contexto do ser "invulnerável" e "infalível" são atributos muito mais compartilhados entres os garotos.

O que começa na infância e adolescência ganha corpo e se cristaliza na vida adulta. Dentro da armadura dessa masculinidade socialmente construída, o homem continua ignorando sua saúde e suas emoções. Levantamento do Centro de Referência em Saúde do Homem de São Paulo mostra, por exemplo, que são as mulheres que continuam a acompanhar seus parceiros em 70% dos atendimentos médicos. Ou seja, por conta própria, a maioria deles não chegaria lá.

Violência para lidar com frustrações e inseguranças

Se por um lado é difícil para o homem lidar com sua saúde (sobretudo com a mental), ele continua a encarar a ideia que tem que resolver tudo sozinho, nem que seja na base do risco e da violência. Não é à toa que as causas externas (acidentes e assassinatos) estão entre as principais causas de mortalidade dos homens, principalmente dos mais jovens.

Como se já não fossem graves para a saúde do homem todas essas questões, essas características acabam também impactando a vida das mulheres. Além de cuidar dos parceiros e dar o suporte para que eles acessem os serviços de saúde, elas podem se tornar vítimas diretas dessa dificuldade dos homens em expressar emoções e afetos.

Ao usar violência como forma de lidar com suas frustrações, inseguranças e limites, os homens colocam em risco a saúde e a vida das suas parentes e parceiras. Abuso emocional, moral, financeiro e sexual são algumas das manifestações iniciais dessa violência. No extremo, eles podem matar suas parceiras.

Ainda segundo o relatório da ONU, o lar passou a ser um dos lugares mais perigosos para muitas mulheres ao redor do mundo. 45 mil delas foram mortas por familiares ou parceiros em 2021. E esse número pode ser ainda maior, já que muitas mortes intencionais de mulheres não são contabilizadas como feminicídio (assassinatos relacionados ao gênero).

O cenário no Brasil

No Brasil em 2021, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas, totalizando 1.319 casos. Já os estupros somaram mais de 56 mil casos, um a cada 10 minutos.

Antes de terminar o Novembro Azul, é preciso pensar que, se o homem aprender a lidar melhor com sua saúde e suas emoções, além do impacto óbvio em seu bem-estar e expectativa de vida, essa questão pode afetar diretamente a saúde e a vida das suas parceiras, ex-parceiras e demais parentes.

Entender que as relações amorosas podem acabar, saber transformar mágoas, tristezas e frustrações em outras emoções e comportamentos que não a violência, perceber quando não se está bem e poder pedir ajuda, sem medo ou vergonha, são instrumentos fundamentais nessa transformação do homem.

Nesse sentido, a educação desses garotos em casa e nas escolas, políticas públicas que se ocupem desse tema e medidas jurídicas e criminais efetivas de proteção da mulher devem caminhar juntas e na mesma direção. Um homem que aprende a cuidar melhor de si mesmo (principalmente no campo dos afetos e das emoções) e a perceber as armadilhas que a masculinidade tradicional impõe, possivelmente saberá lidar melhor com sua saúde, com o mundo e, sobretudo, com a vida de milhões de mulheres.