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Transmissão de HIV cai no Brasil, mas jovens precisam ter atenção
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Apesar de o número de novas infecções pelo HIV ter caído cerca de 11% entre 2019 e 2021 no Brasil, a pandemia ainda exige atenção, principalmente na população mais jovem. O Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2022 do Ministério da Saúde, divulgado na última semana, aponta a importância de entender melhor o comportamento dessa faixa da população e a necessidade da ampliação das políticas públicas para diagnóstico, prevenção, acesso e adesão ao tratamento do HIV.
A redução da transmissão aconteceu em 21 estados brasileiros e atingiu recuo ainda maior, da ordem de 15%, nas regiões Sul e Sudeste. Na cidade de São Paulo, por exemplo, dados da Fundação Seade, do governo paulista, mostram que o número de novos casos caiu pelo quinto ano consecutivo. De 2016 para 2021, o decréscimo é de 37,5%.
Ainda na cidade de São Paulo, também se observa há seis anos uma redução dos casos de Aids (quando a doença provocada pelo HIV se manifesta) e da mortalidade pela doença, que caiu quase 32% no período de 2016 a 2021, graças ao aumento do acesso aos tratamentos antirretrovirais (TARV).
No Brasil, a taxa de detecção do HIV caiu 26,5% em uma década —de 22,5 casos por 100 mil habitantes em 2011 para 16,5 casos por 100 mil habitantes em 2021.
Mas, mesmo com a tendência de queda de todos esses indicadores, o Brasil ainda enfrenta números que apontam para a necessidade da ampliação e fortalecimento das políticas de prevenção e tratamento do HIV. Em 2021, foram 40.880 novos casos de HIV (cerca de 112 infecções por dia), 35.246 casos de Aids (mais de 96 casos por dia) e ainda 11.238 mortes pela doença (30 mortes por dia).
Prevenção combinada
A queda dos novos casos é resultado de uma nova abordagem na prevenção ao vírus. Além da camisinha (praticamente o único recurso disponível contra o HIV nos anos 1980-1990), hoje existe uma série de recursos, estratégias e tecnologias que podem ser combinados para que cada indivíduo tenha acesso a um esquema de prevenção que faça sentido e funcione em sua vida.
Assim, informação adequada, vacinas contra algumas ISTS, preservativos internos e externos, testagens periódicas, acolhimento nos serviços de saúde, tratamento precoce e contínuo (pessoas indetectáveis não transmitem o vírus), PrEP (profilaxia pré-exposição) e PEP (profilaxia pós-exposição) são alguns dos recursos disponíveis hoje para a prevenção combinada, todos eles disponíveis no SUS.
Talvez, um dos maiores desafios seja garantir acesso a todos esses insumos de forma rápida e consistente no país como um todo. Ainda existe um número considerável de brasileiros que circulam com o vírus sem conhecer seu status sorológico, outros que sabem estar vivendo com o HIV, mas que não iniciaram o seu tratamento, e ainda aqueles que começaram a se tratar, mas que não aderem ou abandonam as medicações prescritas.
Uma política de saúde e de direitos humanos que combata estigma, preconceito e acolha melhor os mais vulneráveis teria um papel central na mudança desse cenário.
Adicionalmente, seria importante um esforço para a ampliação das informações sobre PrEP e PEP para a população, sobretudo para os mais vulneráveis ao HIV. Um estudo do INI/Fiocruz realizado no Brasil, México e Peru, mostra que a permanência em um programa de profilaxia pré-exposição tem relação direta com o grau de conhecimento sobre o método. Quanto maior a divulgação e disponibilidade da PrEP, maior a adesão da população alvo.
O que acontece com os jovens?
O boletim do Ministério da Saúde traz um recorte preocupante: apesar da queda na transmissão do HIV na população como um todo, as infecções aumentaram entre os jovens de 15-24 anos. De 2007 a junho de 2022, quase um quarto dos novos casos acontece nessa faixa etária —25% dos novos casos em homens e 20% em mulheres.
Só em 2022 (dados computados até o mês de junho), dos 16703 novos casos de HIV, 9516 estão na faixa entre 15 e 39 anos:
- 5% entre 15 e 19 anos
- 17,5% entre 20 e 24 anos
- 19,5% entre 25 e 29 anos
- 15% entre 30 e 34 anos.
Somando-se esses coeficientes, temos que cerca de 57% dos casos aconteceram entre pessoas mais jovens.
Em relação à Aids, a doença também atinge predominantemente pessoas mais jovens, entre 25 e 39 anos. Cerca de 52% dos casos de Aids entre os homens e 47% dos casos entre as mulheres estão nessa faixa etária. Em uma década, de 2011 a 2021, entre os homens, houve incremento importante na taxa de detecção de Aids nas faixas de 15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 25 a 29 anos. O aumento em jovens dessas faixas etárias foi, respectivamente, de 45,9%, 26,2% e 16,0%.
No inicio da pandemia, eram 15 homens com Aids para cada 10 mulheres com o vírus. Essa razão foi se ampliando e hoje temos cerca de 25 homens para cada 10 mulheres. Entre os jovens, essa diferença é ainda mais marcante: na faixa de 15 a 24 anos, são 36 homens para cada 10 mulheres.
Olhando com mais detalhe os dados, a infecção pelo HIV mantém uma tendência que tem sido vista nos últimos anos. Ela é uma epidemia concentrada, que atinge desproporcionalmente homens, jovens e a população negra. No sexo masculino, a maior categoria de exposição foi a de HSH (homens que fazem sexo com homens, como gays e bissexuais), principalmente naqueles de até 39 anos.
Os números mostram que é preciso investigar mais a fundo as percepções e o comportamento dos mais jovens em relação ao HIV, principalmente daqueles mais vulneráveis do ponto de vista social. Educação sexual nas escolas (os programas sumiram de vista na última década), combate ao estigma e preconceitos e maior acesso a informação e aos insumos de prevenção são pontos chaves para essa virada.
Se o país pretende retomar sua liderança e voltar a ser exemplo nas políticas públicas de prevenção e luta contra a Aids, há muito trabalho pela frente. Mas, hoje, a gente sabe muito melhor como fazer e temos muito mais tecnologias e recursos à disposição. Quem sabe, com comprometimento e vontade política, a gente não consiga zerar a transmissão sexual pelo HIV em uma década e, assim, proteger toda uma geração de jovens?
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